Estudo feito por pesquisadores da UERJ aponta que comportamento entre facções e milícias no Rio de janeiro está cada vez mais parecido

Pesquisa do Cidades - Núcleo de Pesquisa Urbana da Uerj e financiada pela Fundação Heinrich Böll aponta que, entre outras denúncias, a cobrança de taxas abusivas por parte das milícias era feita até para pessoas em situação de rua

Rio de Janeiro, 07 de abril de 2023 – O Cidades Núcleo de Pesquisa Urbana, formado por pesquisadores da UERJ, divulgou a pesquisa “Milícias, facções e Precariedade: um estudo comparativo sobre as condições de vida nos territórios periféricos do Rio de Janeiro frente ao controle de grupos armados”, apoiada pela Fundação Heinrich Böll Brasil. O principal objetivo do estudo, feito através de trabalho de campo realizado em seis áreas da cidade, é descrever o funcionamento das dinâmicas de controle territorial de grupos armados e o efeito causado na rotina dos moradores de bairros periféricos como Batan, Caju, Campo Grande, Ilha do Governador, Praça Seca e Tijuquinha.

O trabalho de campo, realizado por cinco pesquisadores da UERJ, investigou diferenças e semelhanças na relação de grupos armados com moradores e suas organizações. O principal resultado da pesquisa aponta que a atuação desses grupos é determinada pela presença ou ausência de confrontos nos territórios onde a pesquisa de campo foi realizada.

Além disso, o estudo também aponta que, em regiões onde não há confronto policial, os grupos armados têm uma presença mais difusa no território e, diante disso, os moradores sentem o impacto do controle de forma diferente dos moradores de locais onde a presença de grupos armados é mais ostensiva.

O que também chamou a atenção dos pesquisadores foi o fato de que a frequência dos confrontos ou a ameaça constante de que eles aconteçam acabam produzindo uma sociabilidade local mais conflituosa, através de altos graus de vigilância e monitoramento por parte dos grupos armados, fato que tem gerado constante reclamação de moradores por conta da ausência da “paz” que teria caracterizado momentos anteriores, seja em regiões dominadas por grupos de milícias ou por facções de traficantes de drogas.

Superexploração econômica

Nos locais considerados “mais tranquilos” (Campo Grande e Tijuquinha), os pesquisadores conseguiram identificar que a superexploração econômica por parte das milícias (cobrança de taxas abusivas e monopólio de serviços) tornou a relação desses grupos com os moradores muito mais violenta e conflituosa. A extorsão era feita amplamente, abrangendo até pessoas em situação de rua que não tinham o que comer ou um lugar para dormir.


Nas áreas onde as milícias são consolidadas, além da exploração econômica, também foram expandidos os tipos de recursos explorados por esses grupos, ou seja, não existem mais atividades econômicas que não sejam exploradas por eles.

Conceitos inéditos

Durante o trabalho de campo realizado nos seis territórios objetos da pesquisa ( Batan, Caju, Campo Grande, Ilha do Governador, Praça Seca, Tijuquinha), também foram identificados novos fenômenos que podem ser classificados como “Empreendedorismo parasitário”, ou seja, quando todos os grupos armados compartilham do mesmo método de domínio dos territórios de pobreza por meio do uso da violência generalizada ou pontual, para garantir a submissão de moradores a elevados níveis de exploração através do pagamento de taxas sobre as mais diversas atividades econômicas.

Outra prática identificada pelos pesquisadores é a “Operação consorciada entre milícias e facções”, uma superexploração econômica e extorsiva que não só deixou de ser uma atuação exclusiva das milícias, mas se tornou uma operação feita em conjunto entre facções de traficantes de drogas e integrantes dos grupos milicianos, que podem estar revertendo o lucro dessa exploração para a compra de armamentos, fato que pode ajudar a explicar tanto o aumento no número de confrontos como no poderio bélico desses grupos.

Moradores vivem “sob cerco”

A conclusão final da pesquisa aponta que independente dos grupos armados que controlam cada território, os moradores dessas regiões se habituaram a viver sob o cerco de organizações criminosas, sejam elas facções de tráfico de drogas ou das milícias. Segundo os pesquisadores, “viver sob cerco” é estar submetido a uma força coercitiva e violenta de forma cotidiana, em ato ou potência e, por conta disso, estar em permanente estado de preocupação com manifestações violentas que impedem a circulação e a manutenção de uma rotina segura aos moradores de favelas e periferias cariocas.


Sobre e a Fundação Heinrich Böll

Promover diálogos pela democracia e buscar a garantia dos direitos humanos; atuar em defesa da justiça socioambiental; defender os direitos das mulheres e se posicionar como antirracista são os valores que impulsionam as ideias e ações da Fundação Heinrich Böll. No Brasil, a organização apoia projetos de diversas organizações da sociedade civil, organiza debates e produz publicações gratuitas.

Sobre o CIDADES

O CIDADES – Núcleo de Pesquisa Urbana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro é um grupo de pesquisa em funcionamento desde 2014, que reúne diversos pesquisadores interessados nos efeitos sociais de dinâmicas de ocupação, produção, sociabilidade, participação, conflito e resistência da/na cidade, com especial atenção para o Rio de Janeiro. Em 2018 o grupo publicou o resultado de suas pesquisas no livro “Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção”, pela Editora Mórula