Câmara aprofunda discussões de emendas sobre instrumentos da política urbana do Rio de Janeiro

A partir da próxima semana, as audiências públicas irão tratar dos impactos das emendas ao projeto de lei em cada uma das Áreas de Planejamento da cidade.

A Comissão Especial do Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro realizou, nesta quarta-feira (12), mais uma audiência pública para tratar das alterações propostas ao texto do novo Plano Diretor da cidade (Projeto de Lei Complementar nº 44/2021) referentes ao título que trata dos instrumentos da política urbana. O debate foi conduzido pelo presidente da Comissão, vereador Rafael Aloisio Freitas (Cidadania) e faz parte de uma série de audiências que a Câmara do Rio tem feito com o objetivo de debater as 215 emendas do Poder Executivo ao projeto de lei.

Um desses instrumentos previstos no Plano Diretor que mais foi impactado pelas emendas é a Outorga Onerosa do Direito de Construir, que determina o pagamento de uma contrapartida para as construções feitas acima de um coeficiente mínimo. Diversos representantes da sociedade civil criticaram o  prazo de cinco anos para o início da cobrança, mudança sugerida por uma das emendas.

Além disso, não foi contemplada a proposta amplamente debatida em audiências públicas anteriores de destinar os recursos para fundos específicos de habitação de interesse social e desenvolvimento urbano. A presidente do Departamento do Rio de Janeiro do Instituto dos Arquitetos Brasil (IAB-RJ), Marcela Abla, destaca como fundamental essa vinculação para garantir que o dinheiro seja utilizado na construção de moradias para a população mais necessitada e em melhorias para a própria cidade.

“Consideramos inaceitável a falta de vinculação dos recursos arrecadados pela aplicação dos instrumentos do Plano Diretor a fundos específicos. Esses fundos favorecem o controle social através dos seus conselhos gestores”, afirma Abla.

Para o diretor da Federação das Associações de Moradores do Município do Rio de Janeiro (FAM-Rio), Mauro Salinas, a aplicação desta ferramenta é correta e deve ser implementada de forma integral, mas alerta para os riscos da outorga acabar permitindo crescimento em bairros que estão saturados ou não tem a infraestrutura necessária. 

“O que não é correto é viabilizar sua aplicação para flexibilizar legislação, permitindo a utilização de índices e parâmetros urbanísticos acima do máximo permitido por lei em bairros urbanisticamente saturados e sem capacidade de suporte para receber adensamento, como é o caso dos bairros da Zona Sul e da Grande Tijuca, a exemplo do que vem acontecendo com a aplicação da Operação Interligada do Reviver Centro”, afirma Salinas. 

PEUs

A revogação do Planos de Estruturação Urbana (PEUs) do texto do Plano Diretor foi outra das questões trazidas ao debate. Este instrumento tem sido utilizado para estabelecer as diretrizes que norteiam o uso e a ocupação e os parâmetros urbanísticos dos bairros.

Rose Compans, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU-RJ) lembra que esta foi uma conquista da população de cada local. “São projetos que foram conquistas no período de redemocratização do país, frutos de um estudo pormenorizado e da reivindicação dos moradores”, detalha.

Representantes da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano (SMPU) alegam que muitas dessas legislações estão em vigor há mais de 50 anos, tendo sofrido alterações ao longo do tempo, e garantem que os parâmetros foram incorporados ao texto de revisão do Plano Diretor.

A coordenadora de Planejamento local da SMPU, Mariana Barroso, afirmou que já houve uma conversa com as associações dos moradores das áreas onde hoje vigoram os PEUs para explicar que as especificidades de cada local continuam mantidas na proposta. “A gente já conversou com as associações de Cosme Velho, Santa Teresa, Urca, Jardim Botânico, e explicamos que todas essas questões dos PEUs estão lá no projeto”, relata.

O ex-secretário de Planejamento Urbano do município, Washington Fajardo, explicou ainda que o modelo adotado pelo Rio de Janeiro acabou implicando em uma fragmentação das visões do uso do solo da cidade, com  40% do território do município ainda sendo atendidos por decretos da década de 1970. “Em vez de produzir uma harmonia e realizar o preceito constitucional da justa distribuição dos ônus e bônus, no Rio ocorre o contrário, aumentando a competição entre os bairros”, complementa Fajardo. 

Regularização fundiária e direito à moradia

A emenda que retira o Termo Territorial Coletivo (TTC) do texto do projeto também foi lamentada por muitos participantes. Este instrumento da política urbana é um modelo de gestão coletiva da terra que busca garantir o direito à moradia e a segurança de posse para moradores de baixa renda.

A representante do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, Tarcyla Fidalgo, demonstra preocupação com a possibilidade irrestrita de remembramento de terrenos em áreas de comunidades sem a ferramenta do TTC para protegê-los da especulação imobiliária.

“O Termo Territorial Coletivo foi o único retirado pela Prefeitura nas emendas do Plano Diretor que vai exatamente na direção contrária que esse remembramento irrestrito pode trazer: garantir a permanência, o desenvolvimento comunitário e a manutenção de Áreas de Interesse Social na cidade”, complementa Tarcyla.

Moradora da comunidade da Vila Autódromo, Maria da Penha Macena afirma que é preciso garantir recursos para as políticas públicas de habitação. “O Rio de Janeiro necessita de moradias populares. É uma vergonha, em pleno século XXI, um país riquíssimo em terras e não ter moradia para a população”, denuncia a representante do Conselho Popular.

AEIS e ZEIS

O município do Rio tem hoje mais de mil Áreas de Especial Interesse Social (AEIS) demarcadas, sendo algumas estabelecidas pela Prefeitura e outras pela Câmara do Rio. A proposta do Projeto de Lei prevê a criação de 430 Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS), nas comunidades com mais de 500 domicílios, deixando de fora, no entanto, 525 favelas que não estão sendo demarcadas nem como ZEIS, nem como AEIS.

Presidente da Associação dos Trapicheiros, na Tijuca, Paulo Roberto Machado denunciou que, desde 2010, a cidade vem passando por  processo de especulação imobiliária, com remoção de casas e que as melhorias que deveriam vier com as AEIS não estão sendo garantidas. “A Câmara Municipal nos deu as AEIS, mas, na prática, ela não é exercida. De tudo o que é relatado sobre o que essas áreas especiais devem ter, poucos serviços chegam às comunidades”, revela Paulo Roberto.

A vereadora Thais Ferreira (PSOL), membro da Comissão Especial do Plano Diretor, também questionou sobre a implementação dessas AEIS. “Não seria importante ter parâmetros mais definidos que podem ser discutidos através de um GT, para que esse importante instrumento possa, de fato, favorecer a população que precisa? Para que as AEIS de terrenos vazios, por exemplo, possam ser finalmente, implementadas?”, indagou. 

Para Elizabete Alves Bezerra, do Movimento SOS Vargens, falta vontade política para a efetiva aplicação dos instrumentos que favorecem as populações mais carentes. “O Estudo de Impacto da Vizinhança, de Impacto Territorial e a requalificação das AEIS e ZEIS só são de interesse do mercado imobiliário. Em nenhum momento os moradores são contemplados. A gente tem comunidades que já poderiam estar contempladas com a regularização fundiária e não foram porque não interessa à Prefeitura”, acredita.

Participaram ainda da audiência os vereadores Alexandre Beça (PSD), Jorge Felippe (União), Átila A. Nunes (PSD), Pedro Duarte (Novo), Vitor Hugo (MDB), Tania Bastos (Rep) e Eliseu Kessler (PSD).

Também estiveram presentes representantes da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-RJ), do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, da Rio Indústria, do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), além de representantes da sociedade civil.

Próximas audiências

Na próxima quarta-feira (19), a Comissão Especial vai iniciar uma rodada de audiências públicas para discutir os impactos das emendas apresentadas em cada uma das cinco Áreas de Planejamento da cidade (APs), iniciando pela AP1, que engloba os bairros da área central da cidade, como Centro, Lapa e São Cristóvão. A audiência ocorrerá a partir das 9h30, no Plenário da Câmara Municipal.