Proposta feita pela Câmara dos Deputados para enfraquecer o judiciário brasileiro se assemelha à tentativa de reforma de Netanyahu, que levou milhares às ruas em Israel

Para o Instituto Brasil-Israel, o principal ponto das propostas é a derrubada de decisões de suas respectivas Supremas Cortes; em Israel, a sociedade se mobiliza há semanas contra o avanço da medida

A partir da última quarta, 27, passou a tramitar na Câmara dos Deputados uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, se aprovada, permitirá que o Congresso derrube decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). O texto é de autoria do deputado Domingos Sávio e foi protocolado no sistema da Câmara após conseguir ao menos 171 assinaturas necessárias para iniciar sua tramitação. A iniciativa se assemelha muito ao que está acontecendo em Israel, e que tem levado milhares de pessoas às ruas em protestos que já ultrapassam 40 semanas por todo o país.

“Em Israel, a proposta de reforma judicial é liderada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e tenta enfraquecer o poder judiciário com o fim da chamada cláusula de razoabilidade. Na prática, esse é um dos mecanismos mais importantes para o sistema de freios e contrapesos da política e da democracia israelense”, explica Morris Kachani, diretor-executivo do Instituto Brasil-Israel (IBI).

Sem a cláusula de razoabilidade, a Suprema Corte israelense, principal poder que contrapõe o executivo e o legislativo no país, não pode mais revisar as decisões e nomeações do governo. “Um aspecto importante é que ela tem um papel fundamental de defesa das minorias em Israel. O judiciário é responsável, por exemplo, por garantir direitos dos ultraortodoxos, mas também da população LGBTQIA+, dos etíopes e outros grupos minorizados. Em um governo como de Netanyahu, com membros extremistas, contrários aos direitos da população LGBTQIA+, importantes conquistas viabilizadas pelo Judiciário podem ser derrubadas”, alerta Kachani.

Aqui no Brasil, a PEC protocolada no último dia 27 estabelece a competência do Legislativo para anular decisão do STF transitada em julgado que “extrapole os limites constitucionais”. Para isso, seria necessária a apresentação de um requerimento com apoio de um terço dos membros tanto da Câmara, quanto do Senado. Depois disso, o pedido para reverter a decisão da Corte teria de ser aprovado por três quintos das duas Casas. A iniciativa contempla uma ofensiva de grupos políticos conservadores do Congresso contra decisões recentes do STF, como a eliminação do marco temporal para a demarcação das terras indígenas, votada recentemente.

“O objetivo tanto em Israel quanto no Brasil é, claramente, enfraquecer o poder judiciário. Contudo, em Israel, a sociedade logo entendeu os riscos que a reforma implica à democracia e se mobilizaram em protestos que há semanas tomam as ruas do país, extrapolando as linhas ideológicas e partidárias”, ressalta o diretor-executivo do IBI.

Enquanto a PEC no Brasil vai começar a tramitar pelas comissões, em Israel, o cancelamento da cláusula de razoabilidade está sendo fortemente debatido na própria Corte Suprema, após a coalizão de Netanyahu tê-la aprovado no início de sua revolução judicial. A corte israelense exige que só haja mudanças caso a coalizão chegue a entendimentos com os partidos da oposição, em toda legislação, como sempre foi, sem promulgar leis unilaterais ou outras ações legislativas antidemocráticas.