Literatura

Conceição Evaristo e um livro para despertar consciências

Em Canção para ninar menino grande (2022), a escritora nos apresenta Fio Jasmim e seu emaranhado de amores marcado pelo machismo e pelo inescapável racismo

Conceição Evaristo - - Arquivo pessoal
Conceição Evaristo - - Arquivo pessoal

Durante este mês da Consciência Negra, tentei trazer obras de diferentes gêneros para compartilhar com os leitores do DC – Diário Carioca. Além de envolver pessoas negras, mirei em obras mais ou menos recentes, preferencialmente brasileiras, frequentemente protagonizadas por mulheres. 

A justificativa é bem simplória: o clássico, o estrangeiro e o masculino são alternativas mais fáceis. É fácil buscar a referência de quem já passou pelo crivo do tempo, é fácil olhar o gringo enaltecido na mídia e como vem fácil à mente o nome de um cantor/ator/cineasta/etc identificado como homem cis gênero! A cor, então, nem se fala, é claríssima.

Quando se trata de literatura, pelo menos, há a desculpa: é papel, é letra, quase não tem figuras, pode-se ler livros e livros sem notar a cor de quem escreve. E é verdade. Mas a cor ainda está lá. Ou não está – não teve oportunidade de chegar ao leitor. Felizmente para quem se orgulha das possibilidades que a literatura oferece, das descobertas que promove, buscar a diversidade também dos autores é simplesmente ir mais fundo no que a literatura pode oferecer. Como a escrevivência de Conceição Evaristo.

Conceição Evaristo é mineira de Belo Horizonte. Apesar de ter começado a escrever relativamente tarde, aos 40 anos, tem importantes contribuições para a literatura nacional com romances, contos e poesia. Neles aborda, por meio da sua escrevivência, a realidade da população marginalizada, além de relações e sentimentos aos quais todos estão sujeitos. Entre suas obras estão Olhos d’água (contos) vencedor do prêmio Jabuti (2015) e Canção para ninar menino grande (romance). 

Canção para ninar menino grande
Canção para ninar menino grande

Lançado pela primeira vez em 2018, Canção para ninar menino grande ganhou uma segunda edição em 2022 contando a história de Fio Jasmim através das histórias das mulheres que se relacionaram com ele. Nesta última edição, Jasmim é um homem negro e bonito que herdou do pai a profissão de maquinista e foi lhe passada a habilidade de conquistador, convenientemente muito apropriada para a profissão: em cada cidade, uma mulher. Os outros maquinistas, seus veteranos, iam além e ainda falavam em corpo-mulher/corpo-cidade como uma coisa única, como se só fosse possível conhecer uma cidade estando com suas mulheres.

Durante a leitura, até é possível identificar na diversidade das relações que Fio Jasmim teve com as mulheres as diferentes formas de se viver o amor: de forma imaculada, vivendo racionalmente, perdoando, vivendo livremente, morrendo por ele… Mas o mote centra-se, na verdade, na noção distorcida que Fio tem das mulheres e dos sentimentos– muito calcada na visão machista repassada pelo pai. Ainda que Juventina, uma das mulheres que amava, o intrigasse com sua forma de amar, sua “virada de chave” acontece quando encontra uma mulher para chamar de amiga e, então, encarar que desfrutava das vantagens que ser homem lhe conferia para aplacar a dor dos sonhos moídos ainda criança pela sociedade racista em que vivia.

Pontuo aqui meu único pesar de fato com relação à história: a escolha da amiga em questão. Eleonora ama mulheres. Ainda que seja ótimo que se conste outra forma de amar, podendo inclusive constar outras formas sem prejuízo algum, é uma pena que Fio Jasmim não tenha encontrado em uma mulher cis essa amizade. É como se só estendesse a humanidade (e a amizade) aos seus iguais: a quem se parecesse em gênero ou sexualidade consigo. Não desabona o livro, mas é uma pena.

PARA LER ATÉ O PRÓXIMO NOVEMBRO NEGRO

Eliana Alves Cruz (1966) é escritora e jornalista. Solitária, lançado em 2022, é seu livro mais recente.

Jarid Arraes (1991) é tem romances, cordéis, contos e poesias publicadas. Redemoinho em dia quente venceu o prêmio APCA.

Jeferson Tenório (1977) é escritor, professor e pesquisador. Com O avesso da pele, venceu o Jabuti de 2021.
Joel Rufino dos Santos (1941-2015) foi um escritor, historiador e professor. Em meio a uma bibliografia diversa, com livros teóricos e literários, consta Quando voltei tive uma surpresa.