Vergonha

OCDE critica Brasil por impunidade em casos de corrupção

Relatório publicado hoje cita ausência de condenações definitivas para indivíduos e decisão judicial que anulou provas oriundas do acordo da Odebrecht

Escritório da OCDE em Paris. Foto: OECD/Divulgação
Escritório da OCDE em Paris. Foto: OECD/Divulgação

O Grupo de Trabalho Antissuborno da OCDE (WGB, na sigla em inglês) publicou hoje o relatório da quarta fase da avaliação sobre o cumprimento pelo Brasil da Convenção Antissuborno da OCDE1. O documento foi aprovado em reunião plenária do WGB após a delegação brasileira ser sabatinada sobre os resultados da avaliação, na última quarta feira (11), na sede da OCDE, em Paris.
 

O relatório final traz críticas e expressa preocupação sobre a impunidade nos casos de corrupção transnacional no país que permanecem sem resolução final ou são anulados pela Justiça. O documento destaca o fato de que nenhum indivíduo chegou a receber condenação definitiva por suborno transnacional no Brasil e que o primeiro caso desse tipo continua em andamento na Justiça há quase 10 anos. O texto ainda cita que, dos nove envolvidos, oito já foram absolvidos por prescrição do crime.2 
 

Apesar de ter ocorrido recentemente e após a visita dos avaliadores ao país, a decisão do ministro Dias Toffoli, do STF, que anulou todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht, foi mencionada diversas vezes no documento e encabeça a lista de assuntos que estarão sob monitoramento do WGB e sobre os quais o Brasil terá que reportar daqui a dois anos3 
 

Além do seu impacto sobre a segurança jurídica dos acordos de leniência no Brasil, o WGB expressa preocupação sobre as consequências da decisão sobre a capacidade de investigadores brasileiros seguirem cooperando internacionalmente (uma das obrigações dos países signatários da Convenção). Em contraposição à premissa da decisão do ministro, que colocou em xeque as tratativas diretas entre procuradores brasileiros e estrangeiros, o relatório da OCDE avaliou positivamente que “todas as autoridades competentes, incluindo a CGU, o MPF e a PF, promoveram laços e contatos informais, através do envolvimento com suas contrapartes estrangeiras, bem como da participação em iniciativas regionais ou outras redes de agentes da lei” e prossegue recomendando que “desenvolver e manter esses laços e essa cooperação informais é reconhecido como uma boa prática, crucial e internacionalmente aceita”.4 
 

O documento reitera questionamentos sobre a independência efetiva de agentes da lei, expressando “sérias preocupações com um efeito inibidor (chilling effect) decorrente da combinação entre a ampliação da Lei de Abuso de Autoridade e recentes ações disciplinares — ou mesmo cíveis e criminais — contra procuradores atuando em casos importantes de corrupção”. Por outro lado, o texto também aponta preocupação sobre o viés político influenciando decisões de aplicação da lei, citando um episódio “confirmado pela Suprema Corte em um caso proeminente de corrupção doméstica”. O relatório ainda cita “a percepção, baseada em diversos relatos de politização da Procuradoria-Geral da República e a interferência indevida do anterior Presidente na Polícia Federal e outras agências de investigação.”5 
 

Sobre estes aspectos, o relatório da OCDE recomenda que o Brasil “(i) adote salvaguardas para proteger a PGR de politização e percepção de politização; e (ii) reforce garantias contra possíveis vieses políticos de agentes de aplicação da lei, bem como contra o possível uso arbitrário de medidas disciplinares ou de outras formas de responsabilização como meios de retaliação contra procuradores envolvidos em ações sensíveis anticorrupção ou correlatas.”6 
 

O relatório também reconheceu avanços do país no enfrentamento à corrupção transnacional, como os acordos de leniência firmados ao longo dos últimos anos e avanços recentes da CGU no campo da prevenção. Também sinalizou como positivos o aumento dos recursos disponíveis para a Polícia Federal investigar crimes de corrupção, o abandono pelo Congresso Nacional da tentativa de interferir politicamente no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) com a ‘PEC da Impunidade’ e esforços para proteger denunciantes de irregularidades no setor público, ainda que estes não tenham ainda alcançado o setor privado.7 
 

“Avaliações internacionalmente reconhecidas, como esta do Grupo Antissuborno da OCDE, são uma fonte importante de diagnóstico técnico independente que considera não só a adequação legal, mas também a efetividade das instituições no combate à corrupção que produz tantos danos sociais e violações de direitos no Brasil e em todo o mundo. É uma oportunidade para a sociedade e instituições brasileiras reavaliarem seus esforços no enfrentamento à corrupção à luz das melhores práticas internacionais.” comenta Guilherme France, gerente de pesquisa da Transparência Internacional – Brasil.
 

Brasil passou pela quarta avaliação da OCDE

Desde que aderiu à Convenção Antissuborno da OCDE, no ano 2000, o Brasil já passou por quatro rodadas de avaliação sobre a implementação de mecanismos de prevenção e combate à corrupção transnacional: em 2004, 2007, 2014 e agora, em 2023. É possível que, entre as rodadas de avaliação, um país seja instado a apresentar um relatório parcial indicando suas ações para implementar as recomendações da OCDE. Em 2016, o Brasil apresentou um relatório parcial, referente às recomendações que haviam sido apresentadas na terceira rodada de avaliações.
 

Desde então, o país foi alvo de críticas e medidas gravosas por parte da OCDE, em reação a retrocessos legais e institucionais, além de decisões judiciais que colocavam o Brasil em descumprimento da Convenção, como a decisão do ministro Dias Toffoli no caso do senador Flávio Bolsonaro, em 2019, que resultou na paralização de centenas de investigações de lavagem de dinheiro. Estas reações críticas culminaram no envio, no mesmo ano, de uma Missão de Alto Nível ao Brasil, quando autoridades brasileiras foram diretamente comunicadas sobre os graves impactos dessas medidas.
 

Em dezembro de 2020, o WGB decidiu estabelecer um Subgrupo de Monitoramento Permanente para acompanhar a série de retrocessos que o país vinha sofrendo em sua capacidade de enfrentar a corrupção. O resultado do trabalho do Subgrupo foi incorporado ao relatório final da quarta fase de avaliação publicado hoje.
 

As avaliações da implementação da Convenção Antissuborno da OCDE são conduzidas por pares, ou seja, por representantes dos governos de outros países signatários. No caso do relatório da quarta fase, foram representantes da Colômbia e do Reino Unido, apoiados pelo Secretariado da OCDE, que avaliaram o Brasil. Este processo conta com a participação dos governos avaliados, que oferecem informações sobre sua estrutura e funcionamento e respondem a um questionário detalhado. Avaliadores, no entanto, contam também com perspectivas externas, já que recebem informações de membros do setor privado, da sociedade civil e da academia. No âmbito da quarta avaliação brasileira, houve uma visita ao país em maio de 2023, quando avaliadores se reuniram com estes atores. A Transparência Internacional – Brasil participou da consulta in situ, realizada em 18 de maio, na sede da CGU em São Paulo.
 

Há mais de uma década, a Transparência Internacional publica relatórios independentes sobre o cumprimento da Convenção Antissuborno da OCDE por parte dos países signatários. Nos últimos anos, a Transparência Internacional – Brasil publicou uma série de relatórios especiais sobre os graves retrocessos nos marcos legais e institucionais anticorrupção durante o governo de Jair Bolsonaro. Estes relatórios foram enviados ao Grupo Antissuborno da OCDE, bem como ao Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) e ao mecanismo de acompanhamento da Convenção da ONU contra a Corrupção (estes dois organismos também publicarão relatórios de avaliação do Brasil ainda este ano).