O que está por trás da disputa entre China e Estados Unidos? 

A relação entre Estados Unidos e China remonta a uma disputa de transição hegemônica: os Estados Unidos começaram a perder força e capacidade de liderar os sistemas econômico e ideológico, além do desenvolvimento tecnológico mundial.

A relação entre Estados Unidos e China remonta a uma disputa de transição hegemônica: os Estados Unidos começaram a perder força e capacidade de liderar os sistemas econômico e ideológico, além do desenvolvimento tecnológico mundial. Com isso, o mundo vê disputas e conflitos em diversos campos. A afirmação é do coordenador do curso de Relações Internacionais da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), Alcides Peron.

“No campo ideológico, vemos o questionamento da China sobre a capacidade dos Estados Unidos conduzirem e sustentarem um sistema liberal, do qual o próprio oponente foi responsável pela decadência dessa ordem liberal; com intervenções abusivas em diversos países, mortes excessivas de pessoas através da política de matança dos drones, pela guerra global ao terror, desrespeito à normativa do direito humanitário internacional e a soberania de diversos países”, afirma o professor.
 

O docente lembra ainda que, por diversas vezes, a nação americana passou por cima do Conselho de Segurança das Nações Unidas, além de conduzir práticas de espionagem e desenvolverem sistemas altamente nocivos de pessoas e agrupamentos. Por outro lado, os Estados Unidos vêm buscando se afirmar como capazes de sustentar essa ordem.
 

Já no campo econômico, segundo Peron, o que se nota é uma profunda decadência do modelo econômico norte-americano assumido nos anos 1980, e um campo de profunda disputa, posto que a China vem ascendendo nos últimos vinte anos, como polo da economia global e um grande atrator de capitais do mundo inteiro.
 

“Os Estados Unidos vêm perdendo mercados e o status de maior potência econômica do mundo, em detrimento da China. A consequência imediata disso é que a China tem se tornado um polo de grandes inovações tecnológicas, nos campos da automação, inteligência artificial, telecomunicações, microchips, semicondutores, cibernética, cyber segurança, entre outros. Tanto é que a China vem sendo responsável pelo provimento de tecnologia 5G em todo o mundo e tem ganhado mais mercado que os Estados Unidos no que diz respeito a componentes de tecnologia, e isso tudo vai levando também para uma tensão no campo militar”, completa.
 

Nesse cenário, Peron afirma ainda que é muito difícil pensar em pontos propositivos que aproximem os dois países, e que há mais divergências do que consensos entre as potências.
 

“Apenas no que diz respeito a mudanças climáticas e governança ambiental, pode haver um ponto de convergência, visto que a China tem um processo de renovação tecnológica em favor de um conjunto de tecnologias mais limpas. Os Estados Unidos também estão tentando liderar a pauta de mudanças climáticas, principalmente durante o governo Biden. Mas com a chance do retorno de Trump ao poder, minando os esforços de tentativas de convergência no que diz respeito a essa pauta, a China pode encabeçar a pauta do clima a nível global”, acrescenta. 

BRASIL TEM A GANHAR NESSA RELAÇÃO 

O docente afirma que o governo Lula está seguindo uma linha pragmática, muito próxima das tradições da diplomacia brasileira. Ou seja, ele negocia com os interesses: ao mesmo tempo, o governo esteve em foros multilaterais, se aproximou e negociou pautas importantes com os Estados Unidos, vai tentando destravar um acordo com a União Europeia de uma maneira muito avançada e, para tanto, teve que diversas vezes se manifestar e deixar muito claro a sua posição contrária à guerra na Ucrânia.
 

Essa capacidade de liderança, de aglutinação de interesses faz com que o Brasil tenha um papel de destaque, não apenas como um mercado consumidor dessa disputa entre China e Estados Unidos, mas também possa ter um papel de destaque em efetivar negociações de grande relevância para a América do Sul como um todo.
 

“Acredito que o Brasil vai ter um papel de destaque para as ambições da China e dos EUA. O Brasil é presidente do Mercosul e, portanto, nós já representamos externamente um conjunto coeso de países, nós já temos a liderança nisso. O Brasil, acima de tudo, tem reservas que interessam muito a China e é um país estrategicamente importante na América do Sul, no que diz respeito a elementos geoestratégicos, militares e evidentemente é um grande produtor do gênero alimentício, de bens de origem primária que são muito consumidos nesses países. Se o Brasil souber costurar os interesses, podemos auferir ganhos estratégicos, do ponto de vista econômico e político. O lado ruim é que também, quando o Brasil se torna alvo de interesses, nós podemos também, de uma certa forma, ficar muito vulneráveis a interferências externas nos campos político e econômico.”, finaliza Peron.
 

Currículo: Alcides Peron é graduado em Relações Internacionais e em Ciências Econômicas. É mestre e doutor em Política Científica e Tecnológica. Foi pesquisador visitante do Departamento de Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia da Lancaster University (Inglaterra), e pesquisador visitante do War Studies Department do King’s College London, Reino Unido. Realizou Pós-doutorado (FAPESP), no Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) (2018-2022). Dedica-se a estudos sobre Vigilância e Novas Tecnologias; Governamentalidade e Segurança Pública; Guerra Moderna e Cibernética; Ciência, Tecnologia e Segurança; Política Tecnológica Militar Norte Americana e Brasileira. É professor do curso de Relações Internacionais da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).