Diogo Nogueira lança "Sagrado", seu oitavo álbum de inéditas

Diogo Nogueira lança "Sagrado", seu oitavo álbum de inéditas
Diogo Nogueira lança "Sagrado", seu oitavo álbum de inéditas

Por Luiz Antonio Simas – O samba costuma ser definido como um gênero musical e coreográfico. A definição, certamente correta, pode ser bastante alargada. Mais do que música e dança, o samba é também um sistema de organização do mundo. Em torno do samba as pessoas cantam, dançam, comem, bebem, amam, brincam, festejam, rezam, louvam os ancestrais, constroem laços de identidade e redes de proteção social.

É da fonte da cultura comunitária do samba que surge “Sagrado”, o novo trabalho de Diogo Nogueira. Pelas oito faixas do álbum, circulam heranças dos batuques ancestrais que, saídos das praias africanas, se redefinem nos terreiros, esquinas, morros e calçadas do Brasil para celebrar a vida como experiência de alegria e liberdade.

Ouça: https://links.altafonte.com/sagradovol1

Derivado das culturas da diáspora africana, o samba está ancorado em dois princípios fundamentais: a percepção de que entre o sagrado e o profano não existe oposição, mas integração constante, e a certeza de que a vida só faz sentido quando é compartilhada. A cerveja gelada, o tempero do feijão, o sorriso no rosto da cabrocha, os versos do partido, as brincadeiras das crianças enquanto o coro come na roda, refletem a integração entre o material e o espiritual, o presente e o passado, a tradição e o futuro.

A primeira faixa do álbum – “Herança Nacional (Quero Ver Geral)”, composição de Junior Dom – abre os trabalhos no terreiro para que o samba baixe como filho da África e pai do Brasil, ressaltando a alegria, a ligação com o sagrado, o compromisso ancestral e o sentido de luta e resistência que envolve os batuques e rodas.

“A Boa do Samba (Coisa Boa)”, parceria de Junior Dom, Daniel de Oliveira e Alexandre Chacrinha, segue a trilha aberta e ressalta o papel do samba como elemento aglutinador. Entre o churrasco com as amizades, a cerveja gelada e o domingo de sol, o clamor pela educação mostra que sambar também é uma maneira de levantar a bandeira da cidadania e da justiça social.

“No Som da Vizinhança”, de Rodrigo Leite e Cauique, retrata em seus versos a relação íntima que o samba tem com a cultura dos subúrbios do Rio de Janeiro, aquela que Diogo Nogueira, oriundo de uma família em que o cotidiano era celebrado com batuque e festa, conheceu desde garoto.

“Ciência da Paz”, de Thiago da Serrinha, é um clamor pela liberdade de crença e culto, diante dos crescentes casos de intolerância e racismo contra as religiosidades brasileiras de matrizes afro-indígenas. Cada vez mais próximo do sagrado que se manifesta na força dos guias e orixás, Diogo Nogueira conecta o samba à luta necessária e urgente pelo direito que cada pessoa tem de se relacionar com o sagrado da forma que considerar mais conveniente.

Em “Festa no gueto”, do trio Rafael Delgado, Caca Nunes e Carlinhos Moreno, o sentido do samba como uma experiência de compartilhamento da vida em comunidade é mais uma vez ressaltado. Entre a caipirinha que acompanha o feijão, a exaltação da amizade como valor fundamental da vida, a festa que dribla os perrengues do cotidiano e a dimensão sagrada em que o canto é reza, prevalece a alegria subversiva que o samba traz.

“Partideiro Particular”, de Thiago da Serrinha, é uma macumba de amor. O refrão evoca os tambores dos candomblés e umbandas e chama os versos que, na estrutura dos partidos tradicionais, traz o clima dos romances que surgem nas rodas espalhadas pelos quintais e terreiros da cidade. É pra levar na palma da mão e abrir o sorriso.

“À moda antiga”, de Arlindinho em parceria com Marcelinho Moreira e Márcio Alexandre, é um samba que fala do amor que vai além das rodas. Se a faixa anterior traz o clima do flerte insinuado no partido alto, aqui temos a exaltação romântica aos amores duradouros, daqueles que ultrapassam os limites do tempo e se perpetuam nos versos dos poetas e nas melodias mais sublimes.

“Meu Samba Anda Por Aí”, parceria entre João Nogueira e Paulo Valdez (filho da Divina Elizeth Cardoso), é a faixa que, ao fechar o álbum, aponta para o recomeço e o encontro com a ancestralidade. A voz do pai, João Nogueira, abre a canção em rara gravação caseira e se encontra com a voz do filho, Diogo, para afirmar que só é ancestral aquilo que é contemporâneo e só está morto aquele que não é mais lembrado. Enquanto houver memória, lembrança e rito, a vida permanece.

As rodas de candomblés sempre giram no sentido anti-horário. Ao subverter simbolicamente o tempo linear, elas afirmam a necessidade do reencontro constante como o passado para que o presente faça sentido e o futuro possa ser construído em uma perspectiva mais generosa. Ao reverenciar neste álbum a herança do pai, rememorar uma infância festeira de raízes suburbanas e celebrar a alegria da vida compartilhada no samba, Diogo Nogueira bate cabeça para o passado, dialoga com o presente e lança o seu canto – como flecha certeira de Oxóssi – em direção às novas gerações.

O samba permanece porque tem a coragem de se transformar e só se transforma porque tem a sabedoria de permanecer. Essa é a dimensão de tudo que é “Sagrado”.