Um Marco

STF fazendo História, mais uma vez

Ainda que haja vozes contrárias, principalmente argumentando o livre direito de argumentação dos advogados, entendo que o STF cumpriu seu papel de aplicar a Constituição Federal

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STF - Foto: Reprodução

No último dia 23, o Supremo Tribunal Federal julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1107, proposta pela Procuradoria Geral da República, a qual pleiteava a proibição expressa de evocar o histórico sexual das vítimas, em apurações de crimes sexuais. Em outras palavras, a PGR buscava banir do acervo permitido à Defesa dos acusados desse tipo de crime, a permissiva ou minorativa da gravidade do delito escorada na vida pregressa da vítima. Seria como se cometer um crime de estupro contra uma mulher virgem fosse mais grave do contra uma profissional do sexo. Desde ontem, o STF, por unanimidade, proibiu essa interpretação que, embora minoritária, ainda persistia em alguns julgados atinentes ao tema. 

Foi um movimento parecido como a proibição da alegação da centenária tese da legítima defesa da honra que, por muitos anos, vigorou firme nos plenários de Tribunais do Júri, Brasil afora. Esse argumento era aplicado em caso de maridos traídos que matavam para “lavar a honra” perante a sociedade, levando a muitas absolvições por essa escusa. Em março de 2021, o STF firmou entendimento no sentido da inconstitucionalidade dessa tese, extirpando-a do ambiente jurídico brasileiro. 

No caso da ADPF 1107, o STF foi ainda mais longe de estendeu o entendimento para todos os casos que evolvem qualquer tipo de violência contra a mulher. Isso no sentido de evidenciar o caráter incidental do processo e, sobretudo, a necessidade de se voltar os olhos à efetiva capitulação legal do dispositivo em discussão. Além disso, como brilhantemente esposado pela eminente Ministra Carmen Lúcia, esse tipo de interpretação viola o Princípio da Isonomia (art. 5º da Constituição Federal), em uma análise entre mulheres.

Esclarecendo mais o postulado teórico acima, lanço mão do mesmo exemplo do início desta reflexão. O estupro cometido contra uma mulher virgem ou uma profissional do sexo. Há três elementos a serem compreendidos, à luz da nova decisão do Pretório Excelso. Primeiramente a necessária desconsideração do histórico das vítimas, já que o crime protege a liberdade sexual da pessoa, limitado ao ato praticado em momento específico. Dessa forma, independente da quantidade de parceiros pretéritos ou estilo de vida, deve-se ressaltar que a vítima é sempre vítima. E a proteção do Estado é contra a liberdade de querer ou não se relacionar com outra pessoa. Por fim, o voto da relatora – referendado pela unanimidade de seus pares – contemplou a inconstitucional violação da igualdade entre mulheres. Se a Constituição diz que todos são iguais perante a lei, não seria possível tratar de formas diferente mulheres vítimas de um mesmo crime, apenas por seu passado. 

Ainda que haja vozes contrárias, principalmente argumentando o livre direito de argumentação dos advogados, entendo que o STF cumpriu seu papel de aplicar a Constituição Federal e fazer valer o Estado Humanitário de Direito. Por tudo isso, posso afirmar de forma convicta que o STF, mais uma vez, fez História.