E a música?

Sonza no Mais Você, Sandy no Altas Horas: no vale-tudo pela audiência, a música é secundária

Se vale uma súplica: cantores, permitam que suas músicas contem suas histórias

Luísa Sonza e Sandy - Fotos: Reprodução - Instagram
Luísa Sonza e Sandy - Fotos: Reprodução - Instagram

Café da manhã regado a lágrimas da cantora que terminou seu namoro de quatro meses. Começo da madrugada com sorrisos amarelos da cantora que anunciou o término de um casamento de 24 anos na véspera. Dificilmente passa-se ileso, mas quem assiste TV aberta tem podido acompanhar em tempo real, em primeira mão, grandes momentos da vida privada de artistas de diferentes gêneros não exatamente musicais, mas de discrição, desde gente que sempre expôs sua vida (caso da Luisa Sonza) até gente que sempre optou pelo máximo de discrição que conseguisse (caso da Sandy).

Não há objetivamente problema nenhum nisso, claro, mas acostumados a ver a utilização do veículo para divulgação de trabalho, é interessante como essas cantoras optam por deixar de se expressar pela sua arte para movimentar a audiência de programas de TV. Uma inovação e tanto que sequer vemos no exterior (ainda).

É muito bem sabido que a vida e suas relações são matéria de poesia. E música. Histórias que ouviu-se falar, histórias que foram vividas ou histórias vindas diretamente da imaginação, quando unidas à melodia certa, invadem nossos ouvidos e têm a capacidade se não de atingir em cheio nosso coração, ao menos de ficar encasquetada em algum canto do cérebro e ser repetida infinitamente (até ser substituída por outra). Os gêneros dessas histórias podem ser os mais variados, é certo, mas são as histórias de amor aquelas que mais cativam o público. E quando chegam ao fim então… Quanta matéria de música os términos rendem!

Para nos restringirmos aos trabalhos que bombaram nos últimos tempos, pudemos acompanhar a explosão do hit da Miley Cyrus, que fala sobre viver bem sozinha e é relacionada ao seu ex, Flowers – celebrado até por estrelas de Hollywood como Diane Keaton, e toda a guerra travada entre Shakira e Piqué, onde suas músicas representaram uma senhora artilharia no front, utilizando até trocadilhos que não deixavam a menor dúvida acerca do alvo: “Entendí que no es culpa mía que te critiquen / Yo solo hago música, perdón que te salpique”.

No Brasil, ainda que as relações amorosas estejam presentes em diversos gêneros, parecem assumir papel de destaque principalmente nas variações do sertanejo como sertanejo universitário e do sertanejo feminino (chamado feminejo) — um pouco menos talvez o agronejo, já que essa vertente tem esse nome justamente pela exaltação da agropecuária. As cantoras expoentes do feminejo, por exemplo, em mais de uma oportunidade já revelaram ou insinuaram quem era o sujeito da canção, de quem se tratava, quem vacilou, traiu ou foi um cretino de marca maior. Assim foi com a saudosa Marília Mendonça, a rainha da sofrência, sobre o EP Nosso amor envelheceu (2021)  em que reconheceu que se tratava do ex-noivo e também com Maraisa, da dupla Maiara e Maraisa, que brincou à época ter até medo de ser processada por seus exs pelo álbum que estava lançando, tantas eram as indiretas.

No cenário pop, não é diferente. Dona de hits, prêmios e presente em algumas trilhas de novelas, Iza lançou um álbum avassalador depois do término, o Afrodhit (2023). Em Que se vá, por exemplo, há referências ao ex-marido que, no divórcio, recebeu R$3 milhões, como: “Quis até o pote da cozinha” e “até essa conta fui eu quem pagou”.

Diretas ou indiretas, a MPB logicamente também nunca se furtou disso, contendo, aliás, histórias famosas a esse respeito. Sendo um de seus expoentes, Chico Buarque negou que escreva a maioria de suas músicas inspiradas em alguém, mas ao menos um de seus intérpretes já o forçou a isso. Este é o caso de “Atrás da porta” e Elis Regina. Para quem não sabe ou não se recorda da história, conta-se que Chico não saberia como continuar a música, mas assim que Elis, que estava sofrendo pelo término do casamento com Ronaldo Bôscoli, a interpretou visceralmente, o compositor soube imediatamente como continuar.

Como essas, há outras tantas histórias. Vimos que um mesmo compositor pode chamar a musa de rainha, luz, falar dos rebuliços que a compõem e que ela provoca (Branquinha, 1989) e também pode bradar direta e ressentidamente: odeio você (Odeio, 2006). Da mesma forma, um compositor pode dizer que sempre volta para sua musa (Sandra, 1977) e também pedir para que a mesma musa não pense na separação porque o amor é como um grão que precisa morrer para germinar (Drão, 1982) e essas preciosidades todas que almas sensíveis são capazes de criar – talvez um tanto quanto pouco empáticas com quem está sofrendo por amor, mas ainda assim preciosidades belíssimas. E são histórias que só ficamos sabendo depois, deduzindo, perguntando ou lendo entrevistas. A música nos chegou antes. Que nos perdoem os amantes de fofocas, mas quando se trata de música, que continue assim.