Rio de Janeiro, 30 de maio de 2025 – O cantor Marlon Brendon Coelho Couto Silva, conhecido como MC Poze do Rodo, 26 anos, permanecerá preso por pelo menos mais 30 dias. A decisão foi tomada por investigadores após a audiência de custódia realizada nesta quinta-feira (29) na Central de Custódias de Benfica, na Zona Norte do Rio de Janeiro, onde também foi determinada sua classificação como preso de média periculosidade. O funkeiro está detido no Complexo Penitenciário de Gericinó, também conhecido como Bangu, na Zona Oeste da capital fluminense.
A prisão temporária de Poze do Rodo, determinada sob acusação de apologia ao crime, associação ao tráfico de drogas e supostos vínculos com integrantes do Comando Vermelho (CV), reacende o alerta sobre o padrão seletivo com que o Estado trata artistas oriundos das favelas do Rio de Janeiro. A defesa do cantor denuncia criminalização da arte periférica, racismo institucional e uma perseguição sistemática contra vozes da cultura popular que emergem das franjas urbanas com discurso próprio.
Acusações frágeis, condenação antecipada
A fundamentação das autoridades se apoia em videoclipes e letras de funk que, segundo o inquérito, glorificariam práticas criminosas. A conexão com o tráfico, porém, não é sustentada por provas materiais ou intercepções telefônicas. Não há apreensão de drogas ou armas nem testemunhos diretos que associem Poze a ações criminosas. Mesmo assim, a narrativa criminalizante foi suficiente para justificar a detenção e a imputação de periculosidade ao artista.
“O Poze foi surpreendido com um mandado de prisão temporária e uma busca e apreensão em sua casa. A acusação de associação ao tráfico e apologia ao crime não fazem o menor sentido”, afirmou a defesa. “Poze é um artista que venceu na vida através de sua música, que retrata a realidade da favela sem romantizá-la nem escondê-la. Essa prisão é mais um capítulo da perseguição à juventude preta e periférica.”
Funk sob ataque: da arte ao tribunal
Não é a primeira vez que letras de funk viram alvo judicial no Rio de Janeiro. No entanto, a seletividade é evidente: produções artísticas com violência, quando vindas de autores brancos e consagrados, raramente enfrentam o mesmo rigor penal. Filmes, peças teatrais e livros policiais são muitas vezes louvados por sua estética “realista”, mesmo ao retratar homicídios, assaltos e tráfico. Já os MCs da favela são sistematicamente empurrados do palco para o banco dos réus.
A criminalização do funk como linguagem e meio de expressão está documentada há décadas e guarda relação direta com a militarização da segurança pública no Rio de Janeiro e a estigmatização de comunidades negras. O caso de Poze do Rodo se inscreve numa longa tradição de tentativa de silenciamento da cultura que denuncia a ausência do Estado e o cotidiano da violência real, e não fictícia.
Entre o palco e a cela: Poze como símbolo
Nascido e criado em bairros populares da Zona Oeste do Rio de Janeiro, Poze do Rodo conquistou notoriedade nacional ao narrar em seus versos a vivência de jovens negros nas comunidades, com temas que transitam entre a ostentação, a superação e a crítica social. Sua ascensão incomoda setores conservadores que preferem ver a favela silenciada. A prisão, portanto, não se restringe a um ato jurídico, mas opera como um recado político e simbólico.
“Não sou bandido”, disse Poze, em declaração divulgada por seus advogados. “Estão tentando calar a favela, calar a minha voz. Mas eu sou cria da comunidade, e vou continuar representando minha gente.”
Reação da sociedade civil e artistas
A detenção do funkeiro causou indignação entre artistas, ativistas e defensores dos direitos humanos. Nas redes sociais, a hashtag #LiberdadeParaPoze rapidamente ganhou tração. “Essa prisão é uma tentativa clara de desmobilizar a cultura da favela, que incomoda exatamente por sua potência e sua verdade”, afirmou a rapper e produtora cultural Negra Jaque.
Organizações como a Anistia Internacional Brasil e o Instituto Marielle Franco também manifestaram preocupação com o uso desproporcional do aparato penal contra artistas negros e periféricos. “A arte é, muitas vezes, o único canal de denúncia e esperança em territórios negligenciados pelo Estado. Calar essas vozes é reforçar a exclusão e a injustiça”, declarou nota conjunta.
Judiciário sob pressão
A manutenção da prisão, apesar das falhas na investigação, revela uma disposição estrutural do sistema de justiça em naturalizar a prisão preventiva como ferramenta de contenção social. O caso de Poze do Rodo precisa ser entendido não como uma exceção, mas como parte de uma engrenagem maior que transforma a cultura negra em alvo preferencial do punitivismo seletivo.
A audiência de custódia, que deveria avaliar os abusos de legalidade na prisão, terminou apenas homologando a narrativa policial, sem exigir evidências robustas. Cabe agora ao Ministério Público e ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro demonstrar se ainda há espaço para o princípio da presunção de inocência e para a liberdade de expressão artística no Estado democrático de direito.
Conclusão: o Brasil que criminaliza o que deveria proteger
O que está em jogo não é apenas a liberdade de um MC popular, mas a legitimidade da arte periférica como forma de expressão política, cultural e social. Se o funk incomoda, é porque fala do que é real. Se a favela canta, é porque vive. E se o Estado responde com algemas, é porque ainda prefere a mordaça ao diálogo.