Rio de Janeiro, Brasil – 3 de junho de 2025. Em um gesto que expôs fissuras internas e alianças inusitadas, vereadores do PL e do PSOL votaram juntos contra o projeto de lei que autoriza a criação de uma Guarda Municipal armada na cidade do Rio. A proposta, aprovada por ampla maioria na Câmara Municipal com 33 votos favoráveis e 14 contrários, evidencia não apenas o avanço da militarização urbana, mas também um alinhamento tático entre polos opostos do espectro político.
O ponto de convergência? O temor comum, embora por motivos distintos, diante do avanço do controle armado por parte do poder municipal — uma proposta defendida com fervor por setores ligados ao prefeito Eduardo Paes (PSD) e à base centrista da casa.
Bolsonaristas e PSOListas no mesmo bloco
A união de votos contrários entre figuras do PL, notoriamente ligadas ao bolsonarismo, e vereadores do PSOL, expoentes da esquerda radical, surpreendeu observadores e expôs contradições estratégicas dos dois blocos. Votaram juntos Carlos Bolsonaro, Diego Faro, Dr. Rogério Amorim, Paulo Messina, Poubel, Rafael Satiê e Fernando Armelau, todos do PL, ao lado dos psolistas Rick Azevedo, Thais Ferreira e William Siri.
Para o PL, o voto contra reflete, em parte, a tentativa de desgastar Eduardo Paes às vésperas de um possível reposicionamento eleitoral da direita carioca. Já o PSOL argumenta que a medida representa um “retrocesso autoritário” e pavimenta o caminho para mais violência e abusos no tratamento de populações vulneráveis nas periferias.
Fragmentação e ausências na esquerda institucional
Apesar da resistência articulada por parte do PSOL, o campo progressista não apresentou um bloco coeso. A ausência de Monica Benício (PSOL), viúva da ex-vereadora Marielle Franco, e do petista Leonel de Esquerda, enfraqueceu a posição crítica no plenário. Maira do MST (PT) se absteve, enquanto Tainá de Paula (PT), exonerada por Eduardo Paes da Secretaria de Meio Ambiente e Clima para garantir seu voto, apoiou a proposta — evidenciando a influência direta do Executivo municipal na votação.
Os quatro votos restantes contrários ao projeto vieram de vereadores que não integram os dois blocos principais: Dr. Gilberto (Solidariedade), Pedro Duarte (Novo), Talita Galhardo (PSDB) e Tânia Bastos (Republicanos). Essa dispersão mostra que, apesar da pauta sensível, a oposição à proposta não conseguiu se articular como força coletiva.
Guarda armada: avanço da lógica militarizada
A proposta aprovada institui uma Força Armada dentro da estrutura da Guarda Municipal, com poder ostensivo e autorização para portar armas de fogo. Segundo a justificativa apresentada, a medida visa “reforçar a segurança urbana” diante do crescimento da criminalidade e da presença do tráfico em áreas públicas.
Críticos, no entanto, apontam para o risco de multiplicação de abusos, ampliação do controle social sobre moradores de rua, camelôs e a juventude negra periférica — além da possibilidade de sobreposição de funções com as polícias militar e civil. Entidades de direitos humanos denunciam que a medida pode transformar a Guarda em mais um instrumento de repressão política e racializada no espaço urbano.
O que está por trás da aliança tática
A votação evidencia um paradoxo: enquanto a direita bolsonarista diz defender segurança pública, opôs-se à proposta com o argumento de que o modelo centralizador de Paes “concentra poder demais no Executivo”. Já o PSOL criticou o projeto como parte de uma escalada autoritária e higienista travestida de política pública.
Apesar do desconforto entre as bases, a convergência pontual revela que temas como militarização ainda despertam repulsa — mesmo entre setores que usualmente se digladiam em torno de costumes, economia e ideologia. Mas a união entre PL e PSOL não representa uma coalizão programática: é, no máximo, um encontro de conveniências momentâneas contra um inimigo comum.
Eduardo Paes e a engenharia da votação
A movimentação do prefeito foi cirúrgica: exonerou Tainá de Paula da pasta do Meio Ambiente para garantir seu voto favorável no plenário. Ao mesmo tempo, pressionou partidos da base a manterem fidelidade em uma votação decisiva para o projeto de segurança do governo. Paes tem buscado se vender como gestor técnico, mas suas ações mostram que está disposto a usar os instrumentos de poder para dobrar resistências e aprovar medidas de impacto.
Com a vitória, a Prefeitura do Rio avança mais um degrau no projeto de controle territorial armado, sem apresentar dados consistentes sobre eficácia, custos ou controle social. A militarização da Guarda, ao invés de resolver o caos urbano, pode apenas aprofundar a lógica de confronto como política de cidade.
