Rio de Janeiro, Brasil – 8 de junho de 2025 – O Rio de Janeiro lidera um dos rankings mais letais do Brasil: o de agentes de segurança pública mortos em serviço ou durante a folga. Entre janeiro e abril de 2025, 37 policiais, bombeiros e carcereiros foram assassinados no estado — o dobro dos 18 registrados no mesmo período de 2024, segundo o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), vinculado ao Ministério da Justiça.
Pela primeira vez desde 2015, mais da metade (52%) das mortes violentas de profissionais da segurança em todo o país se concentraram em um único estado. A capital fluminense vive um colapso silencioso de comando, onde o avanço territorial da polícia não veio acompanhado de política pública, inteligência estratégica ou medidas de proteção aos próprios agentes.
Retomada sem Estado: a guerra das milícias e do tráfico
A Secretaria de Segurança Pública do Rio atribuiu a escalada de mortes à “retomada de territórios antes dominados pelo crime”, após a flexibilização das diretrizes da ADPF 635, do Supremo Tribunal Federal (STF), que exigia a comunicação prévia de operações policiais ao Ministério Público em comunidades.

Com o recuo da jurisprudência da ADPF, as ações ostensivas voltaram a subir nas favelas do Rio. Mas o preço foi alto — e pago por policiais de baixa patente, enviados sem estrutura adequada para confrontos em áreas onde o controle territorial está dividido entre facções criminosas e milícias armadas.
A justificativa da secretaria, no entanto, foi classificada como “retórica ideológica sem base técnica” por especialistas em segurança pública. Para a professora Jacqueline Muniz, da Universidade Federal Fluminense (UFF), “o STF apenas reafirmou o que já é obrigação legal das polícias: transparência e controle social sobre o uso da força”.
Rio lidera todas as frentes da violência
Além do número recorde de agentes mortos, o Rio de Janeiro é o único estado brasileiro a registrar aumento simultâneo em três indicadores graves:
- Mortes de agentes de segurança pública: de 18 para 37
- Mortes cometidas por policiais: de 212 para 285
- Mortes violentas em geral: de 1.181 para 1.254
Enquanto o país reduziu em 11% o número total de mortes violentas, o Rio caminha no sentido oposto. A violência se acirra tanto na ponta da repressão quanto nas comunidades afetadas. Não há política de redução de letalidade nem medidas de prevenção.
De acordo com o ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente Filho, os números expõem uma “gestão calamitosa da segurança pública no estado, que abandona os agentes à própria sorte em cenários de guerra”.
Categoria mais afetada: agentes penitenciários sob ataque
Das 37 mortes de agentes fluminenses, houve alta em quase todas as categorias:
- Policiais militares: de 9 para 17
- Agentes penitenciários: de 2 para 10
- Policiais civis: de 0 para 4
- Bombeiros militares: de 7 para 6
Dez dos agentes assassinados estavam de folga, o que reforça a tese de que muitos desses crimes são represálias diretas de grupos criminosos com conhecimento prévio sobre a identidade dos alvos — ou seja, execuções.
O caso do policial civil João Pedro Marquini, da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), assassinado em março durante uma tentativa de assalto na Zona Oeste do Rio, virou símbolo do colapso. A resposta oficial foi mais uma operação violenta que terminou com dois suspeitos mortos, mas nenhuma solução sistêmica.
Narrativa oficial ignora o fracasso da repressão
A Secretaria de Segurança Pública insiste que o aumento da violência decorre da ação criminosa, não da política adotada. Em nota, afirmou que as polícias “atuam com base em inteligência e planejamento” e que “a escolha pelo confronto é do criminoso”.
No entanto, a mesma secretaria não divulgou os dados completos solicitados pela reportagem, como locais das mortes, vínculos das vítimas com ações em curso e mecanismos de prevenção adotados para proteger os profissionais.
A narrativa que culpa a ADPF 635 — decisão do STF que impôs limites a operações letais em favelas após o massacre do Jacarezinho — ignora que a decisão judicial foi uma resposta a abusos sistemáticos e não uma barreira operacional. A retomada das incursões, agora liberadas, se dá sem protocolos públicos, sem transparência e sem responsabilização por mortes.
O Carioca Esclarece
Por que o Rio concentra mais da metade das mortes de agentes no país?
Porque a política de segurança no estado é baseada em confronto armado sem inteligência tática ou ocupação social. O vácuo de Estado em favelas dominadas por milícias e facções leva a emboscadas e ataques a agentes, que operam expostos, sem coordenação adequada.
A ADPF 635 do STF impediu operações policiais?
Não. A decisão apenas exigia comunicação prévia ao MP e justificativas técnicas para as operações. Sua flexibilização recente não mudou o cenário de violência — apenas aumentou os confrontos letais sem planejamento.
Quais são as consequências dessa escalada?
Aumentam as mortes de policiais, crescem as execuções por agentes do Estado e a população civil fica duplamente refém: de grupos armados e de ações policiais improvisadas. O ciclo da violência se retroalimenta, sem solução de longo prazo à vista.