A gestão do governador Cláudio Castro (PL) está diretamente associada às operações policiais mais letais da história recente do Rio de Janeiro.
Desde que assumiu o governo em 2020, Castro comandou três das quatro maiores chacinas já registradas na Região Metropolitana: Jacarezinho (2021), Vila Cruzeiro (2022) e a megaoperação nos complexos da Penha e do Alemão (2025), que somam juntas mais de 115 mortos. Segundo levantamento do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni-UFF), as ações policiais no estado deixaram 1.886 mortos desde 2020 — uma média de 30 mortes por mês.
Escalada da violência e o padrão de confronto
A chamada Operação Contenção, deflagrada nesta terça-feira (28), consolidou-se como a mais letal já registrada no estado, com 64 mortes confirmadas — entre elas quatro agentes de segurança. De acordo com a Polícia Civil, ao menos 60 mortos seriam supostos integrantes do tráfico.
Entretanto, denúncias de moradores e imagens obtidas por veículos de imprensa mostram corpos sendo transportados em caçambas de viaturas da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), sem perícia no local. O cenário repete falhas de investigações anteriores, como na chacina do Jacarezinho, quando a maior parte das mortes não foi esclarecida.
“O Estado tem usado a retórica do confronto para justificar execuções sumárias. Isso não é política de segurança, é política de morte”, afirma a antropóloga Carla Mattos, pesquisadora da UFF.
Segundo o Geni-UFF, a escalada da letalidade coincide com a expansão das operações integradas entre Polícia Civil e Militar, ampliadas desde 2021. O levantamento revela ainda que, sob Castro, as incursões em favelas cresceram 23%, apesar das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que limitam esse tipo de ação durante a pandemia.
Casos sem solução e impunidade institucional
A operação do Jacarezinho, em maio de 2021, foi a mais violenta até então, com 28 mortos e forte reação internacional. Um ano depois, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) concluiu as investigações com 24 inquéritos arquivados e apenas quatro denúncias. O promotor André Luís Cardoso, responsável pela apuração, admitiu:
“Não foi possível confirmar que houve legítima defesa dos policiais na maior parte dos casos.”
Na Vila Cruzeiro, em 2022, 23 pessoas foram mortas, entre elas moradores sem relação com o tráfico. Nenhum policial foi responsabilizado. Em todos os episódios, relatórios da Defensoria Pública apontam falhas na preservação de provas, remoção irregular de corpos e ausência de perícia técnica nos locais de confronto.
Essas práticas configuram o que entidades como a Anistia Internacional chamam de “cultura da impunidade”, na qual a versão oficial das forças de segurança prevalece sem checagem independente.
Da era Witzel ao governo Castro — a política do “atirar primeiro”
Antes de Castro, o governo de Wilson Witzel (PSC) já havia elevado a letalidade policial a níveis extremos. Conhecido pela frase “tiro na cabecinha”, Witzel defendeu abertamente o extermínio de suspeitos armados. Durante seus 20 meses de mandato, foram registradas 104 chacinas com 904 mortos, uma média de 45 por mês.
O ano de 2019, o único completo sob Witzel, foi o mais sangrento da série histórica, com 634 mortos em ações policiais. À época, Cláudio Castro era vice-governador e assumiu o comando após o afastamento de Witzel, mantendo e ampliando a política de confronto.
O retrato da tragédia fluminense
Entre 2007 e 2025, o Rio registrou 707 operações consideradas chacinas, com 7.343 vítimas, segundo o Geni-UFF. É como se 33 aviões Airbus A320 tivessem caído sem sobreviventes em 18 anos — um número que revela o colapso de uma política de segurança centrada na força bruta.
A persistência desse modelo é criticada por entidades de direitos humanos, que apontam ausência de planejamento estratégico, racismo estrutural e negligência com as populações periféricas. As operações, afirmam os especialistas, não reduzem o crime organizado, mas intensificam o ciclo de violência.
“Não há guerra às drogas, há guerra aos pobres”, disse a advogada Renata Souza, ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj.
Para o Diário Carioca, o padrão de confronto evidencia uma política pública fracassada, sustentada por narrativas de “guerra” que apenas legitimam mortes em massa.
Impactos políticos e cobranças por responsabilização
Com três das quatro maiores chacinas sob sua gestão, Cláudio Castro enfrenta forte pressão política. Parlamentares do campo progressista pedem investigação federal e intervenção do STF. O ministro Alexandre de Moraes determinou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifeste em 24 horas sobre o Massacre Na Penha, que pode elevar o total de mortos a mais de 100 pessoas.
Organizações da sociedade civil cobram mudança imediata na política de segurança e transparência nos dados oficiais. Entretanto, o governador mantém o discurso de enfrentamento, afirmando que “o Estado não pode recuar diante do crime organizado”.
O resultado, segundo analistas, é a consolidação de um modelo que combina populismo punitivista e ausência de controle institucional, produzindo uma tragédia permanente nas favelas fluminenses.


