RIO DE JANEIRO, BRASIL – 9 de junho de 2025
A morte de Herus Guimarães Mendes, 23 anos, durante uma operação emergencial do Bope no Morro Santo Amaro, zona sul do Rio de Janeiro, expôs mais uma vez o padrão de violência e descontrole das incursões policiais em favelas. Desta vez, o reconhecimento público do erro partiu do próprio secretário da Polícia Militar, coronel Marcelo de Menezes Nogueira, que admitiu falhas graves no planejamento e execução da ação, realizada enquanto a comunidade celebrava uma festa junina.
A operação ocorreu na madrugada de domingo, por volta das 3h30, sob o argumento de uma denúncia sobre traficantes armados que supostamente se preparavam para atacar rivais. Cinco moradores ficaram feridos, além de Herus, que foi baleado no abdômen e morreu após ser levado ao hospital. A fala do secretário, transmitida ao vivo pela TV Globo nesta segunda-feira (10), marca uma rara admissão institucional da PM sobre violações de seus próprios protocolos operacionais.
Secretário da PM expõe falhas estruturais
Durante a entrevista, o coronel Menezes foi taxativo ao afirmar que a operação ignorou três pilares fundamentais da doutrina da PM: avaliação de risco, princípio da oportunidade e preservação da vida.
“O bem maior a ser protegido é a vida das pessoas. Esses requisitos não foram contemplados nessa operação emergencial”, declarou.
A declaração, embora relevante, revela a ausência de controle sobre decisões de alto impacto tomadas durante operações noturnas. A própria natureza “emergencial” da incursão levanta dúvidas sobre o planejamento, a autorização e o acompanhamento de superiores hierárquicos.
Imagens corporais serão analisadas
Todas as equipes do Bope estariam usando câmeras corporais durante a ação, segundo o secretário. As gravações foram enviadas à Corregedoria da PM e ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, que prometem uma investigação rigorosa. Menezes disse que não há “condenação prévia” dos policiais, mas garantiu uma apuração “firme e transparente”.
“As imagens vão elucidar como a operação foi desencadeada e desenvolvida. A perícia das armas e o laudo do local serão decisivos”, disse o coronel.
Ainda assim, a promessa de revisão do protocolo para operações emergenciais surge como resposta tardia a uma tragédia evitável — e acende o alerta para o uso recorrente da emergência como pretexto para a suspensão de normas básicas de proteção à vida em territórios pobres.
Família denuncia execução e truculência
De acordo com Fernando Guimarães, pai de Herus, a ação foi desproporcional e inesperada. “Estávamos na festa com crianças. Eles entraram atirando sem motivo algum”, relatou. Segundo ele, o filho havia saído para comprar um lanche quando foi atingido no baço. Mesmo reanimado no hospital, não resistiu.
A família afirma que Herus, trabalhador, sem antecedentes e pai de uma criança pequena, foi arrastado por uma escada ferido. Parentes denunciaram ainda o tratamento truculento dos agentes, que teriam impedido socorro imediato.
“Hoje ele é mais um. Mas queremos saber quem autorizou essa operação naquele horário”, exigiu o pai.
Protesto e nova violência: policial civil atira contra moradores
A revolta da comunidade levou moradores a bloquearem a Rua Pedro Américo no domingo à tarde. O protesto, no entanto, foi interrompido por mais um episódio de abuso: um policial civil, de folga, disparou uma arma de fogo contra os manifestantes e foi preso em flagrante.
A Corregedoria-Geral da Polícia Civil informou que o agente responderá a Processo Administrativo Disciplinar. Em nota, a instituição afirmou que “não compactua com desvios de conduta, crimes ou abuso de autoridade cometidos por seus servidores”.
Cultura de exceção nas favelas
A operação no Santo Amaro não foi uma exceção, mas parte de um padrão estrutural. A lógica de “ação emergencial”, sempre amparada por denúncias vagas e sem critérios técnicos claros, tem se tornado uma justificativa rotineira para incursões noturnas com alto potencial letal. A presença de eventos comunitários, como uma festa junina, não impediu o Bope de abrir fogo em meio a famílias inteiras.
A omissão do comando superior ao autorizar (ou ao não impedir) ações sem avaliação de risco reforça o abismo entre os protocolos oficiais e a prática militarizada em favelas.
O Carioca Esclarece
Por que a PM admitiu erro nesta operação?
A declaração do coronel Menezes responde à pressão pública causada pela repercussão do caso. O uso de câmeras corporais obriga a instituição a manter um mínimo de coerência entre discurso e prática, sobretudo diante da evidência de que os protocolos foram ignorados.
A operação pode ser considerada ilegal?
Sim, se for comprovado que não houve avaliação de risco e que a ação foi executada sem planejamento formal, com disparos injustificados, pode configurar abuso de autoridade, lesão corporal e homicídio culposo ou doloso, conforme os resultados da investigação.
O que muda com a revisão dos protocolos?
A revisão dos protocolos anunciada pelo secretário pode incluir critérios mais rígidos para autorizar ações emergenciais, especialmente em locais com eventos públicos. No entanto, sem mecanismos de controle externo, como a atuação do Ministério Público e da Defensoria, essas mudanças tendem a ser simbólicas.