Rio de Janeiro (RJ), 1º de junho de 2025 – Uma ação coordenada da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro neste domingo, sem mandado judicial, escancarou o uso político da força policial por parte da Prefeitura do Rio.
O alvo foi a mais recente ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), consolidada na última sexta-feira na região portuária da cidade, onde cerca de 200 famílias se instalaram em área federal.
Segundo denúncia feita pelo próprio movimento, o prefeito Eduardo Paes (PSD) teria acionado a corporação para tentar desalojar à força as famílias ocupantes.
A movimentação dos agentes militares foi classificada como uma tentativa de intimidação explícita, sem respaldo legal e em desacordo com a legislação vigente sobre áreas pertencentes à União.
PM sem mandado, em terreno federal
Cercar famílias vulneráveis sem ordem judicial já seria, por si só, grave. Mas o caso ganha contornos ainda mais preocupantes ao ocorrer numa área de propriedade da União, onde qualquer intervenção deve passar por autorização federal.
De acordo com Gabriel Siqueira, dirigente nacional do MTST, a movimentação da PM representa uma afronta direta à legalidade: “Nenhuma ação aqui pode ser feita sem autorização do governo federal. Qualquer medida sem mandado judicial é crime e a polícia não pode ser usada para nos intimidar”, afirmou.
A denúncia toca em um ponto sensível: o uso da máquina pública — e da força armada estadual — para defender interesses políticos e imobiliários. A região portuária do Rio de Janeiro é alvo antigo de especulação e projetos higienistas, travestidos de revitalização urbana, que marginalizam os pobres em nome do “progresso” elitista.
Presença parlamentar expõe constrangimento
A tentativa de remoção foi contida, ao menos temporariamente, graças à presença de representantes do poder legislativo e do governo federal. Estavam no local os deputados federais Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) e Reimont (PT-RJ), a deputada estadual Renata Souza (PSOL-RJ) e a vereadora carioca Thaís Ferreira (PSOL-RJ) — figuras atuantes na luta por moradia digna e contra a militarização da política urbana.
Também compareceu Sandra Hiromi Kokudai, superintendente da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), responsável pelo terreno. Segundo o MTST, Hiromi comprometeu-se a iniciar um processo de negociação institucional com o movimento, reconhecendo a legitimidade do pleito das famílias ali instaladas.
A postura da SPU expôs o isolamento político de Eduardo Paes, que vem apostando em fórmulas ultrapassadas de repressão para lidar com um problema estrutural: o déficit habitacional crônico que assola a capital fluminense.
O silêncio da prefeitura grita
A reportagem do Diário Carioca — assim como veículos parceiros como o Brasil de Fato — tentou contato com a assessoria de comunicação da Prefeitura do Rio de Janeiro, mas até o fechamento desta matéria, nenhuma resposta foi enviada. O silêncio do gabinete de Paes confirma o desconforto diante de um episódio que pode lhe render acusações de abuso de autoridade e uso indevido da força pública.
Vale lembrar que o MTST é um dos maiores movimentos populares urbanos do Brasil, com atuação estruturada em diversos estados e alinhamento com a luta por direitos constitucionais básicos — como moradia, acesso à cidade e dignidade social.
Velha política, novo alvo
A repressão contra ocupações não é novidade nas gestões de Eduardo Paes, mas a tentativa de instrumentalizar a Polícia Militar contra movimentos populares em pleno 2025 evidencia o descompasso entre os discursos modernizadores da prefeitura e a prática autoritária que persiste nos bastidores do poder local.
A ocupação na região portuária também reacende o debate sobre o legado das obras bilionárias da Operação Porto Maravilha — projeto que prometia requalificação urbana, mas entregou gentrificação, abandono e uma dívida impagável.
Em vez de diálogo, cassetete
Diante de um cenário de grave crise habitacional e aumento da população em situação de rua no Rio de Janeiro, a aposta na truculência para “limpar” áreas visadas pelo mercado imobiliário representa não apenas um erro estratégico, mas um ataque frontal à democracia urbana. Usar a Polícia Militar como ferramenta de repressão social não apenas fragiliza a confiança institucional como também aprofunda as desigualdades que, historicamente, organizam o território carioca.
Se a prefeitura deseja ser parte da solução, precisa abandonar o cassetete e retomar o caminho do diálogo, mediado por políticas públicas efetivas e estruturantes. Caso contrário, continuará sendo cúmplice do projeto de cidade que expulsa seus pobres para longe dos olhos — e das estatísticas que importam para o marketing eleitoral.
Com informações do Brasil de Fato