Em mais uma jogada agressiva de bastidores, Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, exonerou nesta terça-feira (3) quatro secretários municipais para garantir apoio político na Câmara de Vereadores e tentar aprovar, ainda hoje, o projeto de lei que autoriza o armamento da Guarda Municipal carioca. A manobra escancarada foi publicada no Diário Oficial e reacende o debate sobre a militarização da cidade e a fragilidade das alianças que sustentam o governo Paes.
A tática de desmonte como chantagem política
Os quatro exonerados – Tainá de Paula (Meio Ambiente), Márcio Santos (Economia Solidária), ambos do PT; Felipe Michel (Envelhecimento Saudável), do PP; e Luís Antonio Silva Santos, o Índio (Integração Metropolitana) – deixam temporariamente o Executivo para reassumir seus mandatos parlamentares, justamente para votar a favor da proposta do prefeito. Embora Índio não retorne à Câmara por falta de mandato, sua influência política segue operante por meio de seu aliado Marcos Dias, recém-empossado como vice-líder do governo na Casa.
Com isso, Eduardo Paes sinaliza que está disposto a sacrificar qualquer aparência de governabilidade estável em nome de um avanço legislativo que interessa à ala mais conservadora do seu governo – aquela que sonha com uma Guarda Municipal armada, cada vez mais distante da ideia de proteção cidadã e mais próxima de um braço auxiliar da repressão urbana.
A derrota que acelerou o autoritarismo
O projeto, que já enfrentava resistência crescente, sofreu um revés no último dia 22 de maio, quando foi retirado da pauta graças à ação da oposição. Curiosamente, parte dessa resistência veio da própria base de Paes: Maíra do MST e Leonel de Esquerda, ambos da federação PT-PV-PCdoB, votaram contra o governo, deixando evidente uma rachadura interna que o prefeito agora tenta colar com superbonder de cargos e canetadas.
O recado da votação anterior foi claro: há limites para a subserviência, mesmo entre aliados. Mas Paes prefere dobrar a aposta, pressionando parlamentares com a chantagem velada de perderem espaço no Executivo caso contrariem o projeto. É o uso clássico da máquina pública como moeda de troca — um jogo que o prefeito domina com maestria desde os tempos de aliança com Sérgio Cabral.
Base fragmentada, oposição alerta
De volta à Câmara, os secretários exonerados devem atuar como linha auxiliar para garantir que o Projeto de Lei Complementar (PLC) entre na pauta até as 15h de hoje, o limite para que ainda seja votado nesta terça-feira. Felipe Michel, do PP, terá o papel de tentar conter as fissuras internas no partido, que também abriga figuras como Leniel Borel, autor de uma emenda contrária ao projeto original.
Já Tainá de Paula e Márcio Santos retornam à bancada da federação partidária que sustenta a coalizão de governo, mas cuja lealdade está em xeque após o último constrangimento legislativo. A volta desses parlamentares mira não apenas os votos, mas a reconstrução de uma frágil unidade ideológica corroída pela pressa governamental e pela falta de escuta aos movimentos sociais.
Militarização disfarçada de gestão
Sob o pretexto da modernização da segurança pública, o projeto de Paes empacota a militarização da Guarda Municipal como medida administrativa. Mas na prática, trata-se de um avanço silencioso (e agora barulhento) do ideário de segurança pública com viés repressivo, tão caro ao bolsonarismo carioca. Apesar de tentar manter distância formal da extrema-direita, Paes alimenta fantasmas comuns quando coloca o cidadão como potencial inimigo e a arma como resposta ao caos urbano.
Diversos coletivos de direitos humanos, especialistas em segurança pública e lideranças comunitárias vêm alertando para o risco de transformar a Guarda Municipal numa tropa armada sob comando político direto do Executivo. O Rio de Janeiro, estado com histórico notório de violência policial e execução sumária em favelas, dificilmente será beneficiado com mais armas circulando sob o pretexto da ordem pública.
Corrida contra o tempo e contra a democracia
A estratégia de Paes para aprovar o projeto nesta terça tem um cronograma apertado: a pauta precisa ser oficialmente publicada até as 15h para que a votação ocorra ainda hoje. Na segunda-feira (2), o projeto sequer apareceu na ordem do dia. E até o fechamento desta matéria, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro ainda não havia divulgado oficialmente a nova pauta.
O risco não é apenas a aprovação apressada de um projeto controverso, mas a naturalização de práticas antidemocráticas no coração do Legislativo municipal. Ao transformar o secretariado em peça descartável de um xadrez oportunista, Eduardo Paes reafirma que sua prioridade não é diálogo nem construção de soluções duradouras – mas o controle a qualquer custo. Inclusive o custo da democracia.