A decisão da 42ª Vara Criminal do Rio de Janeiro que autorizou a Operação Contenção, deflagrada em 28 de outubro, revelou detalhes da estrutura armada e hierárquica do Comando Vermelho (CV) nas comunidades do Complexo da Penha e proximidades.
Assinada pelo juiz Leonardo Rodrigues da Silva Picanço, a sentença descreve uso sistemático de tortura, controle violento sobre moradores e invasão de territórios dominados por milícias pela facção criminosa.
Mais de 60 prisões preventivas foram decretadas, incluindo líderes como Edgar Alves de Andrade (Doca ou Urso), apontado como principal comandante do CV no estado, e Pedro Paulo Guedes (Pedro Bala). A operação policial desencadeada resultou em 121 mortes, conforme dados oficiais do governo Cláudio Castro (PL).
Contexto da investigação e organização do Comando Vermelho
A decisão judicial baseia-se em inquérito conduzido pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE). A investigação teve início em janeiro de 2024, a partir de denúncia anônima que relatava reunião de chefes do CV para planejar expansão territorial violenta. Mensagens interceptadas e vídeos indicaram divisão clara da facção entre líderes estratégicos, operadores financeiros, gerentes do tráfico e soldados armados para controle social.
O juiz detalhou:
“Há indícios suficientes para autoria e prova da materialidade dos crimes de tortura e associação para tráfico, com emprego de armas e envolvimento de adolescentes.”
Interceptações comprovam que Doca coordenava o tráfico na Penha e adjacências, gerenciando venda, guarda de armamentos de grosso calibre e contabilidade da organização.
Hierarquia do CV nas comunidades e vínculos com milícias
Além de Doca, o documento destaca figuras da cúpula como Carlos da Costa Neves (Gardenal), conhecido pela articulação da expansão violenta do CV em Jacarepaguá, exibindo ostentação em armas, carros e dinheiro em vídeos. Gardenal também comandava grupos de WhatsApp para planejamento de segurança.
Washington César Braga da Silva (Grandão ou Síndico da Penha) era gerente geral do tráfico na Penha, responsável por controles financeiros e atuações de soldados armados. A decisão destaca seu contato próximo com um oficial da Polícia Militar, que teria pedido ajuda para recuperar um carro roubado.
Outra liderança notória, Juan Breno Malta Ramos Rodrigues (BMW), respondia pelo “Grupo Sombra”, célula que torturava, punia e executava rivais e moradores, além de treinar novos integrantes no uso de fuzis e armamento pesado. Vídeos mostram a naturalização da violência como ferramenta de controle.
Um vídeo citado no documento revela Aldenir Martins do Monte Júnior sendo amarrado, amordaçado e arrastado por um carro enquanto clama por perdão, mencionando BMW diversas vezes antes de ser executado. O juiz frisou a crueldade do acusado, que zombava do sofrimento da vítima.
Outro caso de tortura envolve o réu Fagner Campos Marinho (Bafo), flagrado interrogando uma vítima ensanguentada e amarrada, evidenciando o uso banalizado da tortura para impor dominação.
Implicações judiciais e risco à ordem pública
O Ministério Público indica que dezenas de soldados do tráfico protegiam pontos de venda na Penha. Uma mulher atuava como “olheira”, fazendo a vigilância territorial. O juiz justificou as prisões preventivas afirmando o histórico criminoso e o risco real à ordem pública dos investigados, mesmo aqueles sem antecedentes, por carregarem armas e drogas.
“É pueril imaginar que uma vida criminosa cessará por encanto”, escreveu o magistrado.
Ao todo, há confirmação da atuação do CV em ao menos 12 comunidades na zona norte, com 51 prisões decretadas e 17 medidas cautelares. O governo estadual ainda não divulgou quais suspeitos foram capturados nem a identificação dos mortos na operação.
Contudo, a decisão reforça o contexto de violência complexa e a expansão do Comando Vermelho em áreas tradicionalmente dominadas por milícias, em mais um capítulo da crise de segurança pública no Rio de Janeiro.


