A megaoperação da Polícia Militar e da Polícia Civil nos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, entrou para a história como a ação policial mais letal do Brasil. O número de mortos — que pode ultrapassar 130 pessoas — supera o massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, quando 111 presos foram executados pela Tropa de Choque em São Paulo.
Três décadas depois, o país volta a registrar uma tragédia que escancara a permanência da violência institucional e da lógica de extermínio nas políticas de segurança pública. O que muda é o cenário: o Carandiru se deu entre muros; o massacre da Penha, a céu aberto, em comunidades densamente povoadas.
Operação deixa saldo recorde de mortos
Segundo dados oficiais, 64 pessoas morreram, entre elas 60 suspeitos e quatro policiais. Mas o número real pode ser maior: moradores levaram 72 corpos até a Praça São Lucas, durante a madrugada desta quarta-feira (29). O total, portanto, pode chegar a 136 mortos.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) anunciou a abertura de investigação independente para identificar as vítimas e apurar indícios de execuções sumárias. Organizações de direitos humanos, como a Justiça Global e a Anistia Internacional, classificaram o episódio como “a maior chacina policial da história brasileira”.
Comparativo histórico: Carandiru e Penha
| Evento | Ano | Local | Mortos | Agentes envolvidos | Contexto | 
|---|---|---|---|---|---|
| Massacre do Carandiru | 1992 | São Paulo | 111 | 341 policiais | Repressão a rebelião no presídio | 
| Operação Penha/Alemão | 2025 | Rio de Janeiro | 136 (estim.) | 2.500 agentes | Ação contra facção Comando Vermelho | 
Apesar das diferenças de contexto, ambos os casos evidenciam a ausência de controle sobre o uso da força letal pelo Estado. No Carandiru, perícias indicaram que a maioria dos presos foi morta a curta distância. Na Penha, relatos de moradores e vídeos mostram corpos em vielas e áreas de mata, sugerindo execuções após o confronto.
O discurso de “guerra” e a política de eliminação
O governador Cláudio Castro (PL) descreveu a operação como uma “ação contra narcoterroristas”, em defesa da sociedade fluminense. O tom bélico foi adotado também por comandantes da PM, que classificaram os traficantes como “inimigos de guerra”.
Mas especialistas em segurança pública e direitos humanos criticam o discurso por legitimar a barbárie sob o manto da legalidade. Segundo o pesquisador Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência (Uerj), “essa retórica militariza a polícia, desumaniza os moradores e destrói a noção de cidadania nas favelas”.
O governo do Rio nega abusos, mas ainda não apresentou relatórios balísticos, perícias de local ou identificação individual das vítimas. A Defensoria Pública pediu acesso às imagens de câmeras corporais, mas a PM admitiu que parte dos batalhões envolvidos não usava os dispositivos.
“Guerra urbana” e avanço das facções
A megaoperação também revelou um salto no arsenal do crime. Segundo a Polícia Civil, traficantes usaram drones com granadas para atacar equipes do Bope e da Core. O uso de tecnologia bélica inédita no país elevou a escalada de confronto e ampliou o número de mortos civis.
Foram apreendidos 42 fuzis, 200 kg de drogas e 81 suspeitos presos. Mesmo assim, o principal alvo, Edgar Alves de Andrade, o Doca, chefe do Comando Vermelho na região, segue foragido. Outros dois integrantes do grupo foram capturados.
Críticas à gestão de Cláudio Castro
Entidades e analistas apontam que a estratégia de Cláudio Castro se apoia em operações midiáticas de alto impacto, sem planejamento social ou integração com políticas de prevenção. O governador vem se consolidando como herdeiro da lógica de confronto implantada por governos anteriores, ignorando recomendações do STF e do CNJ que restringem operações letais em áreas densamente povoadas.
O jurista e ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho afirmou que “a política de Castro fracassa porque mata muito e resolve pouco”. Desde 2021, o estado do Rio registra as cinco maiores operações letais da história recente, todas sob a atual gestão.
Além disso, a Letalidade Policial no estado cresceu 38% em 2024, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP). Em contraste, o índice de apreensão de armas de grosso calibre caiu 21% no mesmo período.
A repetição da tragédia
O massacre do Carandiru se tornou símbolo da impunidade brasileira. Nenhum dos 74 policiais condenados cumpriu pena.
Agora, mais de 30 anos depois, a Penha e o Alemão vivem a mesma sensação de abandono e medo — um Estado que não protege, apenas reage.
O país parece incapaz de romper o ciclo entre violência, retaliação e morte. As vielas do Rio substituem os pavilhões de São Paulo, mas o resultado é o mesmo: corpos, silêncio e ausência de responsabilidade.
Enquanto isso, o governo estadual trata o episódio como “vitória contra o crime”.
Mas, para milhares de famílias que enterram seus mortos, o que houve foi apenas mais uma derrota da humanidade.
 

 
			 
		 
		 
		 
		 
		

 
		 
		 
		 
		 
		 
		 
                                
                              
		 
		 
		 
		 
		 
		