Rio de Janeiro, 31 de maio de 2025 — Em um movimento que escancara a urgência de depurar as instituições republicanas após o desastre bolsonarista, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) protocolou uma representação exigindo o acompanhamento rigoroso de todas as medidas administrativas voltadas à expulsão de militares golpistas das Forças Armadas. A iniciativa, capitaneada pelo subprocurador-geral Lucas Furtado, é um duro recado às estruturas de poder que ainda protegem agentes fardados envolvidos na tentativa de golpe de Estado.
A representação destaca com clareza o escândalo institucional: dos 31 réus processados no Supremo Tribunal Federal (STF) por participação no complô golpista liderado por Jair Bolsonaro, 22 são militares ativos ou da reserva, ainda remunerados com recursos públicos. A acusação é inequívoca: eles tramaram o fim do Estado Democrático de Direito, a instalação de uma ditadura militar sob comando de Jair Bolsonaro e chegaram a planejar o assassinato de Luiz Inácio Lula da Silva e de seu vice, Geraldo Alckmin.
Militares pagos para destruir a democracia
O documento enviado ao TCU faz questão de evidenciar o paradoxo: o Estado brasileiro continua sustentando financeiramente indivíduos que tentaram destruí-lo. Para Furtado, isso não apenas agride o princípio da moralidade administrativa, mas representa uma ameaça continuada à ordem constitucional. “Não se mostra razoável e legítimo que esses militares continuem a fazer parte das Forças Armadas”, afirma o subprocurador, apontando o risco institucional de manter agentes sabidamente conspiradores em posições estratégicas.
A presença desses golpistas na folha de pagamento da União é, segundo o MP, uma violação da lógica mais básica da defesa da democracia. Pior ainda: é um subsídio estatal à sabotagem. “Na prática, o Estado está mantendo, em seus quadros de pessoal, agentes que tramaram a destruição desse próprio Estado”, diz o texto da representação.
STM admite expulsões — mas se omite em ação concreta
A ofensiva do Ministério Público cita ainda as declarações públicas da ministra Maria Elizabeth Rocha, presidente do Superior Tribunal Militar (STM). Em entrevista recente, a ministra afirmou ser “provável” que os militares envolvidos na conspiração sejam expulsos, mesmo que escapem da condenação penal. A fala, embora simbólica, ainda carece de efeitos práticos. Nenhum dos réus perdeu a patente até o momento — uma omissão que compromete a credibilidade das próprias Forças Armadas.
O MP quer que o Tribunal de Contas da União atue como instância fiscalizadora, acompanhando e cobrando respostas efetivas dos comandos militares. A estratégia é tensionar institucionalmente um sistema historicamente conivente com os desmandos de sua casta superior — e que, não raro, transforma crimes de lesa-pátria em desvios administrativos.
A conivência militar com o bolsonarismo
A tentativa de golpe articulada em Brasília, entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, foi operacionalizada com a anuência — e, em muitos casos, o protagonismo — de setores das Forças Armadas, principalmente do Exército Brasileiro. A promessa de “intervenção” ecoada em frente aos quartéis era, de fato, um plano meticulosamente desenhado por oficiais e generais bolsonaristas, como já demonstrado por investigações do STF, da Polícia Federal e da CPMI do 8 de janeiro.
O envolvimento direto de militares no planejamento do golpe, na sabotagem da posse de Lula e até em conspirações de assassinato evidencia que não se trata de casos isolados, mas de uma infecção sistêmica. O bolsonarismo infiltrou-se nos quartéis como ideologia de seita, sustentada por uma doutrina antidemocrática, ressentida e antirrepublicana.
Dinheiro público bancando o golpismo
Segundo a representação do MP, o gasto com os salários e benefícios desses militares réus representa “valiosos recursos públicos” sendo destinados à manutenção de figuras que atentaram contra a ordem democrática. Trata-se de uma inversão moral: o contribuinte brasileiro é forçado a pagar pelo silêncio cúmplice de uma estrutura que não pune seus próprios traidores.
Enquanto isso, familiares de vítimas da repressão, defensores da democracia e a sociedade civil organizada continuam cobrando responsabilização efetiva — que vá além das manchetes e das promessas de apuração. A permanência desses golpistas nas Forças Armadas não é apenas uma questão administrativa: é um alerta vermelho para a democracia.
Desmilitarizar para reconstruir a República
A exigência do MP ao TCU abre caminho para o que deveria ser uma agenda nacional urgente: a desbolsonarização das Forças Armadas. A depuração dos quadros contaminados pelo golpismo é condição mínima para a retomada da confiança pública nas instituições militares. Sem expurgos, não há democracia que resista.
Não se trata apenas de punir meia dúzia de oficiais descontrolados. O Brasil precisa encarar a verdade incômoda: parte significativa do aparato militar nacional é hostil à democracia. E enquanto esses setores permanecerem impunes — e pagos com dinheiro público — a ameaça de um novo 1964 seguirá rondando as estruturas da República.