7 de junho de 2025, Paris (França) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a elevar o tom diante da paralisia global frente à crise climática. Em coletiva de imprensa concedida após o encerramento de sua agenda oficial em Paris, Lula declarou que a COP30, marcada para novembro em Belém (PA), não será uma vitrine performática, mas um confronto direto com os países ricos que prometeram bilhões em financiamento ambiental — e nunca cumpriram. “Vamos fazer uma COP séria”, disse, ao lado de ministros e diplomatas, antes de seguir para Nice, onde participa da Conferência da ONU sobre Oceanos.
COP30: um novo paradigma ou mais promessas vazias?
A escolha da capital paraense como sede da próxima Conferência do Clima da ONU não foi aleatória. Para Lula, trata-se de uma resposta política à histórica omissão dos países desenvolvidos. “Quero que o mundo veja a cara da Amazônia”, afirmou. “São 30 milhões de pessoas vivendo ali, entre elas indígenas, pescadores, extrativistas, gente que passa fome.”
A fala de Lula mira o que considera o “contencioso ambiental” das nações ricas: o custo humano e ecológico de dois séculos de industrialização baseada em emissões de carbono. O presidente brasileiro exige que esses países finalmente arquem com a dívida climática que acumularam.
Financiamento climático: a conta passa de US$ 1 trilhão
De acordo com cálculos recentes de especialistas citados por Lula, o financiamento necessário para conter o aumento da temperatura média global em até 1,5°C — limite fixado pelo Acordo de Paris — já ultrapassa 1 trilhão de dólares. O montante reflete o acúmulo de promessas não cumpridas desde as primeiras COPs. “Se tivessem feito as coisas na hora certa, a conta seria menor”, ironizou.
A urgência é técnica, mas também política. Lula tem usado todas as viagens internacionais para pressionar pela presença efetiva dos principais chefes de Estado em Belém. “Quero saber se os países ricos estão dispostos a tratar esse tema com seriedade”, insistiu.
Governança global sob suspeita
A desconfiança de Lula não se limita aos governos do Norte Global. Ela atinge em cheio o sistema internacional que, segundo ele, não tem força para garantir que os acordos assinados virem ações concretas. “Sem uma governança mundial representativa, com poder de decisão e de fiscalização, nada acontece”, criticou.
Essa crítica reflete o esforço do Brasil por um redesenho institucional do multilateralismo, capaz de dar conta dos desafios do século XXI — como a emergência climática. Para Lula, a COP30 será um marco não apenas ambiental, mas geopolítico: “Estamos tentando criar as condições de mudar o paradigma”.
O Brasil lidera pelo exemplo — mas cobra reciprocidade
Lula também fez questão de ressaltar os compromissos assumidos por seu governo, entre eles a meta de desmatamento zero na Amazônia até 2030, e a redução de 59% a 67% das emissões de gases de efeito estufa até 2035. Destacou ainda o uso majoritário de energias renováveis e a retomada de órgãos de fiscalização ambiental desmantelados nos anos anteriores.
“Propusemos tudo isso sem ninguém pedir. Agora queremos saber se os outros países vão ter o mesmo comportamento”, afirmou. Ele lembrou que a crise climática já é sensível, inclusive na Amazônia, onde recordes de calor e queimadas desafiam as ações de mitigação.
Municípios e estados: aliados no combate ao desmatamento
Outro ponto sublinhado por Lula foi o papel dos governos subnacionais na luta contra o desmatamento. “O prefeito é o primeiro a sentir o cheiro da fumaça”, disse, ao defender a articulação direta com estados e municípios. O governo federal, segundo ele, já destinou quase R$ 1 bilhão ao Ibama para reforçar a fiscalização em áreas críticas.
Esse modelo federativo de governança ambiental pretende ampliar o alcance territorial das políticas e acelerar respostas a queimadas, crimes ambientais e violações de direitos das comunidades tradicionais.
Oceanos em risco: o bioma ignorado do planeta
Logo após a coletiva, Lula embarcou para Nice, onde discursará na Conferência da ONU sobre os Oceanos, evento que integra o ODS 14 da Agenda 2030. Ao mencionar os quase 8 mil quilômetros de costa brasileira, o presidente alertou para a destruição silenciosa do ecossistema marinho. “A gente joga plástico, esgoto, e acha que o mar aguenta. Um dia ele se revolta e cobra a conta no turismo”, advertiu.
Lula defende um novo pacto internacional também para os oceanos, com foco em despoluição, soberania alimentar e justiça climática para populações costeiras.
O Carioca Esclarece
Por que a COP30 em Belém é estratégica?
Belém está no coração da Amazônia. A escolha revela um gesto político: colocar os negociadores climáticos frente a frente com os impactos reais do colapso ambiental. Ao contrário das edições realizadas em capitais do Norte Global, a COP30 força uma descentralização simbólica e geopolítica da agenda climática.
O que significa “dívida climática” dos países ricos?
Refere-se ao passivo ambiental gerado por mais de dois séculos de industrialização que poluiu o planeta. Enquanto o Sul Global enfrenta os piores efeitos da crise, o Norte acumula riqueza e posterga repasses financeiros prometidos para mitigação e adaptação.
O Brasil pode liderar uma nova governança climática?
Sim. Com metas ambiciosas, matriz energética limpa e protagonismo diplomático, o Brasil se apresenta como potência ambiental. Mas a liderança será efetiva apenas se conseguir quebrar a lógica das promessas vazias e reconfigurar o multilateralismo climático.