Brasília — Em gesto que contraria a maioria do Congresso e atende a pressões da sociedade civil e de ambientalistas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou nesta sexta-feira (8) 63 trechos do projeto de lei que enfraquecia as regras de licenciamento ambiental no Brasil. A proposta, aprovada sob o lobby da Frente Parlamentar Agropecuária, foi apelidada de “PL da devastação” por organizações ambientais.
Entre os pontos barrados, está a ampliação do uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para empreendimentos de médio impacto, como barragens de rejeitos de mineração. Pela proposta, bastaria uma autodeclaração online para a liberação automática da obra. Lula também vetou artigos que fragilizavam a proteção da Mata Atlântica, retiravam poder dos órgãos gestores de unidades de conservação e dispensavam o licenciamento para propriedades com Cadastro Ambiental Rural (CAR) ainda não analisado.
Ao lado da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o governo anunciou que parte dos vetos será substituída por nova proposta legislativa, com redação alternativa enviada em regime de urgência ao Congresso. A ideia é evitar lacunas jurídicas e reforçar um modelo de licenciamento moderno, mas que respeite o meio ambiente, os povos tradicionais e os compromissos internacionais do Brasil.
Freios ao desmonte ambiental
Segundo a secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, a decisão de vetar os dispositivos seguiu quatro diretrizes: preservar a integridade do processo de licenciamento, garantir segurança jurídica, proteger povos indígenas e quilombolas, e permitir maior agilidade sem perda de qualidade. “Não haverá licença monofásica nem atalho que ignore os estudos técnicos obrigatórios”, afirmou.
A ministra Marina Silva foi ainda mais incisiva: “Queremos um modelo que una economia e ecologia na mesma equação. Não há futuro para o Brasil sem sustentabilidade, sem consulta a povos e comunidades tradicionais e sem respeito à Constituição”.
Entenda os principais vetos:
- LAC para médios impactos: vetado o uso da licença simplificada para empreendimentos de médio potencial poluidor, como barragens de mineração. O governo propõe restringi-la a atividades de baixo impacto, com critérios mais rigorosos.
- Proteção à Mata Atlântica: barrado artigo que permitia desmatamento sob regime especial, enfraquecendo a Lei da Mata Atlântica. Apenas 24% da vegetação nativa remanescente ainda resiste no bioma.
- Consulta a indígenas e quilombolas: vetado trecho que excluía povos e territórios ainda não formalmente reconhecidos por órgãos como Funai e Fundação Palmares. A nova redação mantém o direito à consulta prévia, conforme a Constituição.
- CAR sem análise: derrubado dispositivo que dispensava licenciamento para quem tivesse apenas se inscrito no CAR, mesmo sem análise técnica concluída.
- Unidades de Conservação: Lula vetou artigo que retirava o caráter vinculante da manifestação de órgãos gestores, como o ICMBio, nos casos de empreendimentos que impactem diretamente áreas protegidas.
- Licenciamento monofásico: embora tenha mantido a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), vetou o modelo monofásico — que permitiria a emissão de todas as licenças de uma só vez, sem verificação da viabilidade ambiental inicial.
Nova proposta em pauta
Para evitar brechas legais, o governo apresentará novo projeto com ajustes. A proposta trará critérios uniformes de licenciamento, definindo limites mais claros para o uso da autodeclaração e reafirmando o papel fiscalizador dos órgãos ambientais.
Além disso, Lula deve editar medida provisória regulamentando a Licença Ambiental Especial, com validade imediata. A LAE valerá para obras estratégicas, mas seguirá condicionada a todas as etapas do processo de licenciamento.
Congresso pode reagir
Cabe agora ao Congresso decidir se mantém ou derruba os vetos presidenciais. Nos bastidores, a equipe de articulação política trabalha para evitar a reversão dos cortes, o que exigiria maioria absoluta na Câmara e no Senado.
A reação de ruralistas e empresários foi imediata, mas ambientalistas celebraram o gesto do Planalto. “O Congresso transformou o PL do licenciamento na mãe das boiadas”, criticou o jornalista André Trigueiro. Para ele, o veto é uma vitória da sociedade e um sinal de que o país ainda pode combinar desenvolvimento e proteção ambiental.
Conclusão
Ao barrar parte significativa da proposta aprovada pelo Legislativo, Lula tenta equilibrar os interesses econômicos com a proteção ambiental. O gesto marca um reposicionamento do Executivo diante do avanço da pauta ruralista e reforça o protagonismo do Ministério do Meio Ambiente. Resta saber se o Congresso aceitará os limites impostos ou tentará atropelar, mais uma vez, a floresta e os direitos coletivos.
