Brasília (Brasil)
Durante depoimento explosivo transmitido ao vivo pela TV Justiça, o tenente-coronel Mauro Cid afirmou que Jair Bolsonaro não só aprovou como fez alterações em uma minuta de decreto golpista que previa a prisão do ministro Alexandre de Moraes, relator da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF). “Somente o senhor ficaria preso”, disse Cid, olhando diretamente para Moraes, que conduzia a audiência.
O delator, ex-ajudante de ordens do então presidente, é o primeiro a ser ouvido no julgamento do chamado núcleo 1 da tentativa de golpe. A fala escancarou o envolvimento direto de Bolsonaro na tentativa de ruptura institucional. O próprio Moraes reagiu com sarcasmo e precisão: “O resto conseguiria um habeas corpus”.
Prisão de Moraes constava no plano de Bolsonaro
Segundo Mauro Cid, o item mais radical da minuta — que previa a prisão do ministro do STF — foi mantido mesmo após “enxugamentos” feitos pessoalmente por Bolsonaro. A versão final do texto, que circulou entre militares e ministros civis de confiança, reafirma o projeto autoritário do ex-presidente.
A proposta previa a intervenção no Judiciário, a suspensão de garantias constitucionais e a destituição forçada de ministros sob o pretexto de “restabelecer a ordem”. O fato de Bolsonaro ter mantido o trecho que mencionava Moraes expõe o foco da perseguição institucional e o desejo explícito de calá-lo para viabilizar o golpe.
O depoimento de Cid é considerado o mais sensível da série de oitivas iniciadas hoje no STF, justamente por envolver confissão premiada, provas materiais e diálogos captados em tempo real, muitos já anexados à denúncia da Procuradoria-Geral da República.
Delator detalha bastidores do golpe
Cid afirmou que presenciou “grande parte dos fatos” relacionados à tentativa de golpe, embora negue participação ativa. Entre os elementos narrados estão reuniões no Palácio da Alvorada, reuniões com militares da reserva e da ativa, além de trocas de mensagens com auxiliares próximos de Bolsonaro.
O militar mencionou que os encontros se intensificaram logo após o segundo turno das eleições de 2022 e que havia um “clima permanente de conspiração” no entorno do presidente. Segundo ele, “não havia plano B”: ou a vitória seria revertida por um decreto de força, ou o grupo deixaria o poder tentando arrastar setores das Forças Armadas com ele.
Lista de investigados confirma núcleo militar e civil
A sequência de depoimentos no Supremo envolve figuras-chave da engrenagem golpista, divididas entre comandos militares e cargos estratégicos do governo Bolsonaro. Além de Cid, serão interrogados:
- Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
- Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
- Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
- Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, atualmente preso.
A expectativa é que Braga Netto, tido como o “braço operacional” do plano golpista, seja ouvido por videoconferência. Sua imagem será projetada em telão, direto do presídio militar do Rio de Janeiro, onde está detido desde abril.
STF avança no julgamento do núcleo golpista
A audiência de hoje marca o início da fase mais densa do processo que desmonta o plano de ruptura institucional do bolsonarismo. O Supremo separou o processo em núcleos: o militar, o civil, o informacional (ligado a fake news e ataques à urna eletrônica) e o financeiro (doadores e financiadores).
O julgamento do núcleo militar-civil começou por Mauro Cid justamente por sua delação premiada, considerada peça-chave para destravar outras etapas da investigação. As oitivas devem durar toda a semana, com sessões abertas ao público e à imprensa.
A delação de Cid já resultou em mandados de busca e apreensão, bloqueios de bens e quebra de sigilos de aliados do ex-presidente. O depoimento de hoje pode embasar novas ordens de prisão preventiva, especialmente se os demais depoentes contradizerem os fatos já comprovados documentalmente.
O Carioca Esclarece
O que torna a delação de Mauro Cid decisiva para o STF?
A delação de Mauro Cid é considerada um “ponto de virada” porque ele não apenas confirmou a existência de um plano de golpe como entregou documentos, registros e mensagens que colocam Bolsonaro no centro da articulação. Cid era o homem de confiança do presidente — e sua traição ao esquema é juridicamente devastadora.
Bolsonaro pode ser preso com base nesse depoimento?
Sim, sobretudo se os elementos da delação forem corroborados por provas documentais ou outros depoimentos. A manutenção do item que previa a prisão de Alexandre de Moraes na minuta golpista fortalece a acusação de tentativa de subversão da ordem democrática, crime previsto na Lei de Segurança Nacional e no Código Penal Militar.
Por que a prisão de Moraes era central no plano?
Alexandre de Moraes é o principal obstáculo jurídico à ascensão de regimes autoritários no Brasil. Como relator do inquérito das fake news, das milícias digitais e da tentativa de golpe, ele se tornou alvo direto de Bolsonaro e seus aliados. A prisão dele abriria caminho para a suspensão das eleições, o fechamento do STF e o controle militar do Estado.