3 de junho de 2025, Brasília (DF) – A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) deixou o Brasil na manhã desta terça-feira, três dias após ser condenada a 10 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes relacionados a organização criminosa digital, desinformação e coação no curso do processo.
A parlamentar bolsonarista, agora foragida na Itália, arrecadou cerca de R$ 285 mil via Pix semanas antes da fuga, numa campanha promovida por sua mãe e administradora de suas redes, Rita Zambelli.
Pix, dívidas e uma fuga premeditada
A vaquinha virtual foi promovida publicamente como uma “campanha de apoio” para custear multas e custos judiciais de mais de 20 processos. Em 21 de maio, Rita anunciou orgulhosa que já haviam recebido R$ 285 mil em doações, guardados em uma poupança. Mas a arrecadação seguiu ativa, sem qualquer transparência sobre valores adicionais.
Na mesma postagem, Rita fazia apelos emocionados: “Escrevo com os olhos marejados e o coração profundamente tocado pela generosidade e o apoio que tenho recebido.” Poucos dias depois, sem qualquer aviso prévio à imprensa ou ao Congresso, a filha escapava discretamente rumo à Europa — uma operação com todos os indícios de ter sido cuidadosamente planejada com antecedência.
Saldo negativo ou disfarce contábil?
Zambelli chegou a afirmar que sua conta bancária estava no vermelho, com saldo negativo de R$ 14,8 mil, que em poucos dias teria disparado para uma dívida de R$ 166 mil. Entre suas pendências está uma condenação milionária: R$ 2 milhões a serem pagos solidariamente com o hacker Walter Delgatti Neto, figura central da tentativa de invadir o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a mando da parlamentar.
A súbita bonança trazida pela vaquinha, combinada com a fuga internacional, levanta dúvidas jurídicas sobre o destino real desses recursos e se houve uso indevido de doações populares para viabilizar a evasão.
Fronteiras ideológicas e passaporte europeu
Do sul da Itália, Zambelli declarou à CNN Brasil que pretende se estabelecer em uma cidade pequena, longe dos holofotes. Amparada por sua cidadania italiana, ela afirma estar fora do alcance da extradição: “Tenho cidadania italiana e não podem me deportar.”
A estratégia de fuga foi embalada por um discurso ideológico disfarçado de internacionalização da “causa conservadora”. Ao mencionar Eduardo Bolsonaro (PL-SP) — que também se exilou voluntariamente nos Estados Unidos — como referência, Zambelli se comparou ao filho do ex-presidente: “O papel do Eduardo nos Estados Unidos é estratégico — e acredito que precisamos de uma articulação igualmente forte aqui na Europa.”
Do gabinete ao exílio: a derrocada de uma linha auxiliar do bolsonarismo
Aliada de primeira hora de Jair Bolsonaro, Zambelli protagonizou nos últimos anos uma escalada de ataques à democracia, ao STF e à imprensa. Sua condenação em 2025 foi o ápice de uma trajetória marcada por fakes news, intimidação a adversários, e uso instrumental de cargos e prerrogativas parlamentares para blindar um projeto autoritário.
A debandada para a Europa expõe a crise interna da extrema-direita brasileira, que vê seus quadros mais visados pela Justiça escapando em debandada rumo a países onde podem se esconder sob o manto da dupla cidadania ou da morosidade diplomática. A fala da deputada sobre sua “missão política internacional” beira a caricatura — mas aponta para uma articulação transnacional de refúgio político da ultradireita, que busca evitar responsabilizações locais.
Pix, passaporte vermelho e o deboche da impunidade
A ironia é amarga: a mesma deputada que vociferava contra “mamatas”, “corrupção” e “fugas de bandidos” agora escapa do Brasil com quase R$ 300 mil arrecadados de apoiadores crédulos, driblando a prisão com a comodidade de um passaporte europeu. Pior: sua ausência ainda não gerou reações concretas da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, que deveria instaurar imediatamente o processo de perda de mandato por quebra de decoro.
Enquanto isso, seus aliados fingem normalidade, seus canais seguem ativos — comandados pela mãe — e seus apoiadores continuam enviando doações via Pix, como se a deputada ainda estivesse em missão divina e não em uma tentativa explícita de obstrução da Justiça.
O silêncio cúmplice de Brasília
A fuga de Carla Zambelli é mais que um escândalo individual: é um teste de estresse institucional. O STF já fez sua parte ao condená-la, mas a Câmara dos Deputados precisa agir para cassar seu mandato. O Ministério das Relações Exteriores, por sua vez, tem a obrigação de notificar autoridades italianas sobre a condenação e solicitar medidas diplomáticas cabíveis.
Caso contrário, a mensagem será clara: no Brasil de 2025, basta um passaporte europeu e uma conta Pix para escapar da Justiça.