3 de junho de 2025, Roma (Itália) – A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) confirmou que está em solo italiano, onde pretende se estabelecer alegando cidadania italiana como escudo contra qualquer tentativa de extradição. A fuga da parlamentar ocorre poucos dias após sua condenação unânime pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 10 anos de prisão por envolvimento direto na invasão do sistema eletrônico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em conluio com o hacker Walter Delgatti Neto.
A notícia de que Zambelli deixou o Brasil antes do trânsito em julgado da sentença circulava nos bastidores políticos, mas foi oficialmente confirmada pela própria parlamentar em entrevista ao blog de Caio Junqueira, da CNN Brasil. “Estou na Itália. Tenho cidadania italiana e não podem me deportar. Eles não podem me deportar sendo cidadã italiana”, declarou, num tom que oscila entre a provocação diplomática e o escapismo jurídico.
Narrativa da fuga e dissimulação como resistência
Zambelli tenta reembalar a fuga como um gesto político. Em declaração à rádio AuriVerde Brasil, transmitida via YouTube, disse que sua partida não é “fuga”, mas sim um “ato de resistência”. A retórica não é inédita no campo bolsonarista, que há anos busca construir uma ficção de perseguição judicial enquanto coleciona acusações criminais de peso.
A parlamentar informou que pretende pedir licença formal do mandato e se fixar no sul da Itália, local onde já recebia “tratamento médico”. Na mesma entrevista, evocou o caso do deputado Eduardo Bolsonaro, também licenciado e atualmente nos Estados Unidos, como referência jurídica para seu afastamento. “Foi o que o Eduardo fez também”, disse, como se a reincidência dos atos ilegais justificasse sua normalização.
Fraude digital e ataque ao STF: os crimes da bolsonarista
A fuga não elimina os crimes. Por unanimidade, a Primeira Turma do STF condenou Carla Zambelli a dez anos de prisão por fraude processual, associação criminosa e invasão de dispositivo informático. O crime central foi a adulteração do sistema do CNJ, em 2023, quando foram inseridos documentos forjados, incluindo um falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes, como se tivesse sido assinado pelo próprio.
A peça forjada tinha o objetivo de sabotar a imagem do Supremo Tribunal Federal e alimentar a narrativa golpista que norteia o bolsonarismo desde 2018. A Procuradoria-Geral da República (PGR) sustentou que Zambelli foi “autora intelectual e beneficiária direta” do ataque hacker.
Cidadania europeia como fuga da responsabilidade
A estratégia de se refugiar em países onde tenha vínculos familiares ou documentação europeia se tornou comum entre parlamentares bolsonaristas ameaçados pelo avanço das investigações judiciais. Eduardo Bolsonaro, Allan dos Santos, Sara Winter e outros expoentes da extrema-direita brasileira buscaram exílio nos Estados Unidos, numa tentativa de travar o cerco do Judiciário.
O caso de Zambelli, no entanto, avança um passo além ao reivindicar proteção cidadã de um Estado estrangeiro para evitar uma condenação da mais alta Corte do Brasil. O argumento — juridicamente controverso — é um claro desafio às instituições brasileiras e à soberania da Justiça nacional.
Reações: silêncio do PL e cumplicidade do bolsonarismo
Até o momento, a direção do Partido Liberal (PL), ao qual Zambelli ainda está formalmente filiada, não se manifestou. Jair Bolsonaro, mentor político da deputada, também permanece em silêncio. Nenhuma surpresa: o bolsonarismo institucionalizou a tática de abandono seletivo quando seus quadros se tornam juridicamente tóxicos, apenas para depois reabilitá-los como mártires em suas redes.
A fuga de Zambelli expõe novamente a fragilidade institucional do Congresso, que não foi capaz de impedir a saída do país nem aplicar a cassação imediata de um mandato conspurcado por crimes contra o Estado democrático de direito.
Impunidade transnacional e o dilema das extradições políticas
O caso reabre o debate sobre extradições em crimes políticos, uma categoria cinzenta no direito internacional. A Itália, embora parte de acordos bilaterais com o Brasil, tende a não extraditar seus próprios cidadãos, especialmente quando o condenado alega perseguição ou violação de direitos — tese que a defesa de Zambelli deverá usar com força.
Resta saber se o governo italiano aceitará essa versão conveniente ou se reconhecerá os fatos: uma cidadã que, de posse de poder parlamentar, atentou contra o Judiciário de seu país e agora busca abrigo sob o manto da “dupla cidadania”.
Enquanto isso, no Brasil, as instituições seguem em teste de estresse. E Zambelli, livre em Roma, desafia não só o STF — mas o próprio conceito de justiça.