3 de junho de 2025, São Paulo (SP) – Condenada por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 10 anos de prisão por crimes ligados à invasão do sistema eletrônico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) decidiu abandonar o Brasil. Em uma estratégia ensaiada para o público internacional da extrema-direita, ela tenta se passar por vítima de perseguição política e, sem revelar o destino exato, afirma estar na Europa — onde pretende “denunciar abusos do Judiciário” brasileiro.
A decisão da parlamentar bolsonarista, condenada por crimes digitais e envolvimento com estruturas golpistas, marca mais um episódio da fuga em série de figuras do bolsonarismo após derrotas judiciais. Zambelli se licenciou do cargo, apelidando o Congresso Nacional de “covarde”, e repetiu a tática já usada por nomes como Allan dos Santos, foragido nos Estados Unidos, e Eduardo Bolsonaro, que mantém agenda internacional com pautas extremistas e anti-institucionais.
Discurso de mártir digital
Na live transmitida pelo canal bolsonarista AuriVerde Brasil, Zambelli usou uma retórica já conhecida entre líderes da extrema-direita: a da vítima perseguida por instituições “ilegítimas”. Ela afirmou que já está fora do país há alguns dias e alegou que viajou, inicialmente, por “razões médicas”.
“Agora vou pedir para me afastar do cargo. Tem essa possibilidade na Constituição. Foi o que o Eduardo [Bolsonaro] fez também”, declarou.
Zambelli deixou implícito que sua fuga foi articulada com outros aliados da extrema-direita exilados. Ela citou diretamente o blogueiro Allan dos Santos, cuja extradição foi solicitada pelo Brasil, mas que permanece ilegalmente em território norte-americano. Segundo a deputada, foi dele o conselho decisivo para sua evasão.
O roteiro do autoexílio
O estilo de fuga, que mistura autoindulgência, teoria da conspiração e misticismo político, culminou em declarações quase caricatas à revista de extrema-direita Oeste. “Eles me ceifaram, mas quando acham que morri, é quando renasço das cinzas — como a fênix”, disse Zambelli, ecoando o discurso típico do bolsonarismo derrotado: místico, narcisista e conspiratório.
A parlamentar também atacou diretamente o Supremo Tribunal Federal. “Sem as amarras de um mandato, sem precisar me preocupar se minhas palavras vão ferir a vaidade de uma corte que perdeu seu poder constitucional, posso lutar ainda mais — por aquilo que é certo.”
Negacionismo processual e fuga preventiva
Mesmo após a condenação, Zambelli insiste em negar estar foragida. “Não há mandado de prisão contra mim”, justificou. O argumento se ancora no fato de que a execução da pena depende do trânsito em julgado, ou seja, após a análise de possíveis recursos.
A justificativa, no entanto, esbarra no simbolismo do gesto: a parlamentar foge do país dias depois de ser sentenciada por um crime grave, sem informar sua localização, com o claro objetivo de escapar da jurisdição nacional — ao mesmo tempo em que tenta construir uma narrativa de “guerra cultural” contra o Judiciário brasileiro.
A condenação que acelerou a fuga
Em decisão unânime, a Primeira Turma do STF sentenciou Carla Zambelli por crimes ligados à invasão de sistemas do CNJ, uma ação coordenada por integrantes da militância digital bolsonarista para desacreditar o Judiciário. O caso remonta a 2023, e a condenação também tornou a deputada inelegível por oito anos, conforme prevê a Lei da Ficha Limpa.
Como a inelegibilidade passa a valer a partir da decisão colegiada e retroage ao ano do crime (2022), a bolsonarista perde o direito de disputar eleições até 2030.
A eventual cassação de mandato e prisão efetiva, no entanto, dependem da publicação do acórdão e da rejeição de eventuais recursos — o que explica a manobra de fuga em curso. Enquanto isso, Zambelli se abriga sob o manto do autoexílio voluntário, onde pretende, segundo suas palavras, “usar o inglês e o espanhol para articular a causa da liberdade”.
O bolsonarismo em rota de fuga internacional
O caso de Carla Zambelli reforça uma tendência crescente entre os aliados de Jair Bolsonaro: o abandono do território nacional como estratégia de blindagem jurídica e plataforma de internacionalização da retórica golpista. O objetivo não é apenas escapar de punições, mas se reposicionar como símbolos de uma suposta cruzada contra as instituições democráticas brasileiras.
Zambelli tenta, agora, repetir o papel que Eduardo Bolsonaro exerce nos Estados Unidos, onde promove articulações com think tanks de ultradireita e membros do trumpismo. “O papel do Eduardo é estratégico, e precisamos de articulação forte aqui na Europa também”, afirmou a parlamentar.
A postura revela um bolsonarismo cada vez mais deslocado do debate político institucional brasileiro — e cada vez mais empenhado em alimentar narrativas internacionais que demonizam o STF, distorcem o funcionamento da justiça brasileira e invertem o papel dos criminosos e das vítimas.
Farsa exilada ou ameaça transnacional?
Com a fuga de Carla Zambelli, a extrema-direita brasileira ganha mais uma representante fora do país, reforçando a ideia de que a luta travada por esses agentes já não se dá mais nas urnas nem nos plenários — mas sim nas redes, nos palcos estrangeiros e nos bastidores da desinformação digital.
A democracia brasileira, por sua vez, segue sendo testada: pelas instituições que precisam garantir a aplicação das leis sem hesitação — e pela sociedade que assiste a um espetáculo grotesco de criminosos posando de heróis fora do país.