Paris, França – 3 de junho de 2025 – Na véspera de uma visita oficial à França, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu uma entrevista contundente ao jornal francês Le Monde, publicada nesta terça-feira. Entre críticas à extrema-direita, denúncias de genocídio em Gaza e a defesa de uma ordem internacional multipolar, Lula reafirmou seu compromisso com a democracia e sinalizou que usará todas as ferramentas políticas e institucionais para impedir o retorno da extrema-direita ao poder em 2026.
“Não permitirei o retorno da extrema-direita ao poder. O remédio para a crise não é menos democracia — é mais democracia”, afirmou, em resposta direta sobre sua queda de popularidade. Ao adotar um tom combativo, Lula alinha sua retórica com o cenário polarizado que se desenha para o próximo ciclo eleitoral. A fala é também um aceno às forças progressistas no Brasil e no exterior que enxergam na extrema-direita uma ameaça à ordem democrática.
Apesar de reconhecer que sua comunicação com a sociedade enfrenta dificuldades, o presidente atribuiu o desgaste à atuação das redes sociais, que, segundo ele, intensificam o clima de desinformação e hostilidade política. A crítica não é nova, mas ganha força diante do cenário digital global, marcado por algoritmos que amplificam discursos radicais e minam o debate público racional.
Transição energética com petróleo?
Lula também abordou um dos temas mais sensíveis de seu governo: a exploração de petróleo na Margem Equatorial, na foz do Rio Amazonas. Rebatendo críticas de ambientalistas e especialistas, o presidente negou qualquer contradição com sua defesa histórica do meio ambiente.
“O poço está a 500 km do delta do Amazonas. Não haverá problema. E, se houvesse risco, eu seria o primeiro a me opor”, afirmou. Para Lula, a riqueza gerada pela exploração é essencial para financiar a transição energética no Brasil — um argumento que busca conciliar pragmatismo econômico e responsabilidade ambiental, mas que segue sendo contestado por setores da sociedade civil e da comunidade científica.
A declaração ocorre em um momento em que o Brasil tenta projetar-se como liderança climática global, mas enfrenta cobranças por medidas concretas que superem o discurso. A tentativa de equilibrar interesses econômicos e compromissos ambientais revela uma contradição não resolvida no projeto lulista de reconstrução nacional.
Gaza, Rússia e a ONU
No plano internacional, Lula reafirmou sua posição crítica sobre o conflito em Gaza, classificando novamente as ações de Israel como “genocídio”. “Não se trata de um confronto entre exércitos, mas de um massacre de civis por uma força militar altamente sofisticada”, disse. A fala amplia o distanciamento entre o Brasil e o governo de Benjamin Netanyahu e reforça a posição do país como voz dissidente no debate global sobre o Oriente Médio.
Lula também abordou a guerra na Ucrânia, reconhecendo o erro inicial da Rússia, mas responsabilizando os Estados Unidos e a Europa pela escalada do conflito. A visita recente a Moscou, segundo ele, teve como objetivo prestar homenagem às vítimas soviéticas da Segunda Guerra Mundial e reiterar a disposição do Brasil de manter relações com todos os blocos de poder.
A crítica ao funcionamento da ONU foi direta. O presidente apontou a paralisia do organismo diante de crises humanitárias e defendeu a ampliação do reconhecimento do Estado palestino. “O mundo precisa de uma nova governança”, disse, ecoando um tema que tem ganhado força no Sul Global: a necessidade de reformar instituições criadas sob a hegemonia do pós-guerra.
BRICS e o dólar como arma
Lula também comentou o papel do BRICS na reorganização econômica mundial. Disse que o grupo não tem inimigos, apenas busca desenvolvimento justo e relações comerciais equilibradas. Ao ser questionado sobre as ameaças de Donald Trump, que prometeu aplicar tarifas de 100% a países que deixarem de usar o dólar em suas transações, Lula foi categórico: “Não assusta ninguém. Não vamos pedir autorização a Washington para escolher a moeda que julgarmos mais apropriada para nossos intercâmbios.”
A fala é um recado claro aos Estados Unidos e à ortodoxia financeira global, que vê no dólar não apenas uma moeda, mas uma arma de controle geopolítico. Para o Brasil, liderar ou influenciar um movimento em direção a moedas alternativas pode ser chave para uma política externa que visa autonomia e influência no cenário multipolar emergente.
O Carioca Esclarece
Por que Lula voltou a falar da extrema-direita agora?
A declaração reforça o início simbólico da disputa por 2026 e antecipa o tom de enfrentamento com os setores que tentam desestabilizar seu governo. Ao se colocar como barreira ao retorno da extrema-direita, Lula também convoca o eleitorado progressista a se mobilizar.
O que significa dizer que Israel comete genocídio?
Lula adota o termo para denunciar o uso desproporcional da força por Israel contra a população civil de Gaza. A fala desafia a narrativa dominante no Ocidente e posiciona o Brasil ao lado de países que pedem responsabilização internacional por crimes de guerra.
Explorar petróleo e proteger o clima: é possível?
Segundo Lula, sim. Mas especialistas divergem. A promessa de financiar a transição energética com petróleo é vista como contraditória por ambientalistas. O poço na Margem Equatorial é símbolo dessa disputa entre pragmatismo e coerência ecológica.