PARIS, FRANÇA – 5 de junho de 2025 – Em discurso enfático à comunidade brasileira na capital francesa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um alerta internacional sobre a ascensão de uma “corrente de extrema direita nazista, fascista e negacionista” que, segundo ele, ameaça as instituições democráticas, a cultura, a ciência e os direitos fundamentais em todo o mundo. A declaração, feita durante evento simbólico da visita presidencial à França, expõe a preocupação do governo brasileiro com os retrocessos civilizatórios promovidos por governos autoritários e movimentos antidemocráticos.
Lula afirmou que está em curso uma tentativa global de desmonte da democracia construída após a Segunda Guerra Mundial, com ataques sistemáticos à verdade, ao conhecimento e à dignidade humana: “Se a gente não tomar cuidado e não levar a democracia muito a sério, a gente está arriscado a perder tudo que a gente construiu depois da Segunda Guerra”.
Memória política e resistência cultural
O discurso também teve um forte componente simbólico e afetivo. Lula prestou homenagem à família do ex-deputado federal Rubens Paiva, sequestrado e assassinado pela ditadura militar em 1971, ao saudar Ana Lúcia Paiva, irmã do escritor Marcelo Rubens Paiva. O presidente destacou o impacto do livro Ainda Estou Aqui e sua adaptação cinematográfica, que venceu o Oscar, como instrumentos de resistência e memória.
“Teu pai ainda vive e tua mãe está aqui conosco, porque ela é uma lutadora. Você tem que ter orgulho do sofrimento que vocês tiveram na infância”, disse Lula, emocionado. Ao elogiar Marcelo, afirmou que “ele conseguiu contar uma história extraordinária”.
O gesto se conecta a uma constante da política externa lulista: o uso da cultura como ponte entre memória e diplomacia, entre luta interna e projeção internacional.
Multilateralismo contra o isolacionismo
Lula também relatou sua participação na Academia Francesa, onde se tornou apenas o segundo brasileiro a discursar desde Dom Pedro II, em 1872. Com ironia e orgulho, celebrou o fato de ter introduzido o termo “multilateralismo” no dicionário francês: “Multilateral todo mundo sabia o que era, mas multilateralismo não. O ‘ismo’ foi nós que colocamos”.
O presidente reforçou seu compromisso com a construção de uma governança global mais democrática, denunciando a inércia dos organismos multilaterais diante das desigualdades e das crises sociais. Segundo ele, lutar por isso é como “subir uma escada rolante no sentido contrário” — mas é uma insistência necessária frente ao avanço de modelos autoritários que rejeitam o pacto civilizatório internacional.
Fome como prioridade política
Reafirmando o eixo social de seu governo, Lula lembrou que sua principal missão, desde 2003, é erradicar a fome no Brasil. Citou o feito de ter retirado o país do Mapa da Fome da ONU em 2012 e responsabilizou o impeachment de Dilma Rousseff — novamente classificado como golpe — pela reversão desse avanço.
De forma objetiva, destacou números recentes: dos 33 milhões de brasileiros que passavam fome em 2023, 24 milhões já foram retirados dessa situação em dois anos de mandato. “Se ao terminar meu mandato eu tiver garantido que cada cidadã e cidadão brasileiro tomou café de manhã, almoçou e jantou, eu já teria realizado a façanha da minha vida”.
Ataque direto a Bolsonaro e ao negacionismo
Em um dos trechos mais contundentes, Lula apontou Jair Bolsonaro como responsável direto pelas centenas de milhares de mortes durante a pandemia de Covid-19. “Haverá um dia em que ele será julgado como criminoso por não respeitar a ciência e permitir que no Brasil morressem mais de 700 mil pessoas”, afirmou, ao lembrar a sabotagem vacinal e a propaganda de medicamentos ineficazes promovidas pelo ex-presidente.
A crítica vai além do Brasil: Lula enxerga em Bolsonaro um símbolo de uma extrema direita global que nega a ciência, promove teorias conspiratórias e mobiliza ressentimentos sociais para destruir políticas públicas.
Democracia, arte e planeta sob ataque
O presidente também compartilhou conversas com Chico Buarque e a intenção de reunir grandes nomes da cultura brasileira nascidos entre as décadas de 1940 e 1950. A iniciativa busca fortalecer a memória coletiva e valorizar o patrimônio cultural diante das investidas contra o setor artístico nos últimos anos.
Sobre a crise ambiental, Lula voltou a criticar os países ricos pela falta de ação diante do colapso climático. Disse que é urgente forçar as potências a cumprirem suas promessas de financiamento e responsabilização ambiental: “Se a gente não trabalhar com muita força para obrigar os países ricos a cumprirem seus compromissos, sinceramente não sei o que vai acontecer com o planeta”.
Democracia ou barbárie
Encerrando o discurso, Lula reiterou que a agenda brasileira na França se baseia em três pilares: democracia, justiça social e combate à fome. E provocou a comunidade internacional ao expor a contradição moral do sistema global:
“O mundo gasta US$ 2,7 trilhões por ano em armas, enquanto 733 milhões de seres humanos passam fome”.
A frase resume a crítica central do presidente: em vez de armas, o mundo deveria investir em dignidade. Em vez de ódio, humanidade.
O Carioca Esclarece
O que Lula quis dizer ao falar em ‘corrente nazista e fascista’?
Ele se refere à reorganização global de forças políticas de extrema direita que negam direitos civis, promovem revisionismo histórico e rejeitam ciência e instituições. Essas forças usam estratégias autoritárias para fragilizar democracias, muitas vezes com apoio popular e digital.
Por que o multilateralismo é tão importante para Lula?
Porque representa um modelo de governança internacional em que todos os países têm voz — especialmente os do Sul Global. Lula defende que decisões globais não fiquem concentradas em potências como EUA, China ou Europa, mas que envolvam blocos como BRICS, União Africana e Mercosul.
Qual a relação entre cultura e política no discurso de Lula?
Lula vê a cultura como instrumento de resistência e soberania. Ao citar artistas e obras como as de Marcelo Rubens Paiva e Chico Buarque, ele mobiliza memórias da ditadura e reforça a importância de proteger o setor cultural frente ao obscurantismo da extrema direita.