Seul, Coreia do Sul – 3 de junho de 2025. A Coreia do Sul encerrou um capítulo sombrio de sua história recente com a eleição de Lee Jae-myung à presidência, selada nesta terça-feira. Com 49,4% dos votos válidos, o político de centro-esquerda e figura destacada da oposição derrotou Kim Mon-soo, representante da ala conservadora e ex-ministro do governo anterior. A vitória marca a queda definitiva da era Yoon Suk-yeol, derrubado por impeachment após uma tentativa frustrada de golpe civil em dezembro de 2024.
Uma eleição forçada pela ruptura democrática
A vitória de Lee ocorre em um cenário que seria impensável poucos meses atrás. Em dezembro passado, o então presidente Yoon Suk-yeol decretou estado de exceção, fechou o Parlamento e tentou calar opositores com tanques nas ruas — um ensaio autoritário que durou apenas algumas horas, mas escancarou os limites da democracia sul-coreana. A resposta foi contundente: mobilização popular, reação institucional e destituição do presidente por decisão da Corte Constitucional em abril.
A legislação sul-coreana exigia novas eleições em até 60 dias, o que levou ao pleito antecipado. Lee Jae-myung emergiu como o rosto da reconstrução democrática, tendo sido uma das vozes mais vocais contra o autoritarismo de Yoon. Sua ascensão sela um recado claro das urnas: não há espaço para aventuras golpistas em uma das economias mais avançadas da Ásia.
Desafios da reconstrução política
O novo presidente assume um país profundamente dividido. A tentativa de ruptura deixou feridas institucionais abertas, e Lee terá o desafio de reconstruir a confiança nas instituições públicas. Para isso, promete reverter medidas autoritárias, reintegrar o Parlamento como centro político e abrir diálogo com forças opositoras moderadas — tarefa que dependerá de articulação e firmeza.
Analistas apontam que Lee terá que conter o ímpeto revanchista de parte de sua base e evitar que a nova administração seja capturada por vinganças políticas. A margem apertada de sua vitória mostra que a polarização segue viva, e o desafio imediato será unificar o país sem ceder à paralisia.
Pressão econômica e cerco comercial dos EUA
Mas o campo interno não é o único foco de atenção. A quarta maior economia da Ásia também enfrenta uma desaceleração aguda, aprofundada por medidas protecionistas dos Estados Unidos — especialmente tarifas sobre semicondutores e automóveis. A dependência sul-coreana de exportações para os EUA e China torna a recuperação econômica um campo minado.
Lee Jae-myung, que durante a campanha criticou a subserviência do país aos interesses de Washington, promete reavaliar as relações comerciais e priorizar a soberania industrial. A retórica mais assertiva em relação à Casa Branca pode tensionar alianças, mas sinaliza uma guinada mais autônoma na política externa.
Coreia do Norte: a bomba-relógio constante
No campo geopolítico, Lee herda também a escalada militar de Pyongyang. Desde o colapso do governo Yoon, o regime norte-coreano intensificou testes balísticos e manobras na fronteira, aproveitando-se do vácuo de poder no Sul. O novo presidente defende uma retomada do diálogo direto, mas sem ilusões — ele mesmo classificou o ditador Kim Jong-un como “um parceiro imprevisível e perigoso”.
O desafio será manter firmeza sem alimentar a retórica belicista que marcou governos anteriores. Um eventual aceno à diplomacia regional, com China e Japão, pode ser o caminho para despressurizar a península.
Um governo de transição para a democracia
A eleição de Lee Jae-myung representa mais que uma simples mudança de governo: é a tentativa de restaurar o pacto democrático na Coreia do Sul. Sua campanha foi construída como um contraponto ao autoritarismo e como proposta de um novo contrato social. Mas essa reconstrução dependerá de mais que palavras — exigirá reformas institucionais profundas, contenção das elites militares e econômicas que apoiaram Yoon, e vigilância cidadã permanente.
O novo presidente tem nas mãos um mandato popular, mas limitado. O país quer mudanças, mas teme novos conflitos. Lee Jae-myung terá que caminhar entre a urgência da restauração democrática e as pressões imediatas da economia e da segurança regional. A esperança, agora, é que a democracia sul-coreana, embora abalada, prove-se resiliente.