Buenos Aires, Argentina – 3.jun.2025 – Cristina Kirchner voltou ao centro da política argentina com um anúncio estratégico e desafiador: será candidata a deputada pela terceira seção eleitoral da Grande Buenos Aires, região crucial para o peronismo. O movimento, feito em rede nacional ao vivo, rompe o cerco político e judicial que tenta há anos excluí-la da disputa eleitoral. E, ao mesmo tempo, lança um recado direto ao presidente Javier Milei: o kirchnerismo segue vivo — e em campanha.
O anúncio foi feito na noite de segunda (2), durante o programa “Minuto Uno”, no canal C5N. A entrevista interrompeu a rotina da televisão argentina e bateu os canais abertos em audiência. Não foi apenas uma candidatura local que Cristina anunciou, mas uma estratégia nacional para desestabilizar a agenda ultraliberal do governo e forçar uma nova articulação dentro do campo popular.
Aposta no território decisivo
Cristina será candidata na província onde o peronismo é mais forte — e onde Milei tem avançado com dificuldade. Com 27% do eleitorado argentino concentrado ali, a Grande Buenos Aires é o coração da resistência. “A política não é uma escada. É preciso estar onde se é mais necessário”, cravou a ex-presidenta, ao responder críticas sobre disputar um cargo considerado “menor”.
O retorno, cuidadosamente roteirizado, veio acompanhado de uma peça de campanha que opõe sua imagem à destruição promovida por Milei. “Onde Milei corta, Cristina protege”, diz o vídeo, reforçando o contraste entre os cortes neoliberais e a proteção social que marcou seu governo.
Reação no peronismo e ameaça judicial
A candidatura de Cristina teve efeito imediato sobre o peronismo rachado. Líderes como Axel Kicillof e Sergio Massa foram citados indiretamente, em apelo por unidade. “Se estamos divididos, já perdemos”, disse Cristina. A aliança com a Frente Renovadora em Corrientes, que ela também destacou, mostra que o kirchnerismo busca recuperar terreno fora dos grandes centros.
Mas o movimento também acelerou a ofensiva judicial. Cristina enfrenta uma condenação de seis anos no caso Vialidad, que ainda tramita na Suprema Corte. A decisão pode sair até 19 de julho, data-limite para registro de candidaturas. Se confirmada antes disso, ela estará inabilitada. Se adiada, poderá concorrer e ter foro parlamentar — blindando-se de eventual prisão ou exclusão posterior.
A ex-presidenta não deixou dúvidas sobre o caráter político do processo. Acusou a Corte de agir como “guarda pretoriana de uma ordem econômica injusta” e voltou a denunciar o uso da Justiça como arma de perseguição política. O paralelo com o lawfare contra Lula, Evo Morales e Rafael Correa foi explícito.
Milei no alvo: “liberdade para os ricos, repressão para os pobres”
Durante a entrevista, Cristina atacou frontalmente a gestão Milei. Chamou o presidente de “marginal da política” e denunciou o desmonte do Estado como um projeto de classe. Criticou o endividamento externo, o fechamento da feira popular La Salada e o uso da polícia contra trabalhadores.
Em um dos trechos mais marcantes, citou o Papa Francisco, protestos médicos e até um caso de ataque digital a uma criança com autismo como sintomas da crueldade social institucionalizada. “Estamos diante de um governo que não governa: impõe”, resumiu.
Supremo na berlinda: o tempo como arma
A guerra agora é contra o relógio. O processo penal de Cristina ainda está parado por conta do pedido de recusa do ministro Ricardo Lorenzetti, acusado de parcialidade. A decisão da Corte depende da superação desse impasse. Se Cristina registrar sua candidatura antes de qualquer sentença, a tentativa de cassá-la se tornará uma bomba institucional.
É neste cenário que ela aposta tudo: no tempo, na mobilização e no peso simbólico de seu nome. “Morta ou presa”, disse com ironia, referindo-se à forma como seus adversários querem vê-la. Mas o slogan escolhido para esta nova etapa é outro: “o velho funciona”.
Cristina se apresenta como a única figura com bagagem política, memória histórica e apelo popular suficiente para deter a ofensiva ultraliberal. Seu nome, desgastado para alguns, continua a ser a maior força de mobilização da oposição real ao governo Milei.
A campanha argentina começou. E, como sempre, Cristina está no centro da tempestade — não como coadjuvante, mas como peça-chave na disputa entre um país em frangalhos e a promessa de reconstrução social.