Berlim, Alemanha – 8 de junho de 2025 – A palavra-chave da vez no discurso oficial alemão é “preparação”.
Sob o pretexto de um possível confronto direto com a Rússia, o governo da Alemanha anunciou um plano nacional de ampliação da infraestrutura de proteção civil, incluindo a reativação e adaptação de bunkers para pelo menos 1 milhão de pessoas.
A proposta, apresentada por Ralph Tiesler, chefe do Escritório Federal de Proteção Civil e Assistência a Desastres (BBK), ecoa o clima de alarme que toma conta de boa parte da Europa Ocidental — alimentado pela narrativa de uma iminente guerra com Moscou.
O anúncio ocorre em meio ao aprofundamento do apoio militar europeu à Ucrânia, à militarização crescente das fronteiras orientais da OTAN e à multiplicação de discursos que ampliam o espectro da “ameaça russa” no continente.
A volta da retórica de guerra
Na entrevista concedida ao jornal Süddeutsche Zeitung, Tiesler foi taxativo: “Acreditava-se na Alemanha que a guerra era um cenário para o qual não precisávamos nos preparar. Isso mudou”. Segundo ele, a preocupação com uma “guerra de agressão em larga escala na Europa” justifica a retomada de práticas típicas da Guerra Fria, como o uso civil de abrigos antiaéreos e o reforço de sirenes de alarme.
O plano inclui a adaptação de estruturas já existentes — túneis, estações de metrô, garagens subterrâneas e porões de edifícios públicos — para funcionar como abrigos de emergência. Atualmente, apenas 580 dos cerca de 2.000 bunkers da Alemanha estão operacionais. Isso representa proteção para menos de 0,5% da população.
Enquanto isso, o governo recomenda que os cidadãos passem a estocar água e alimentos para no mínimo três dias, preferencialmente dez. A medida, que em outro contexto seria classificada como alarmista, é tratada como “prudente” pelas autoridades alemãs — mesmo sem haver indícios concretos de que a Rússia teria intenções militares diretas contra Berlim.
Guerra projetada, medo real
A nova ofensiva simbólica da Alemanha contra a Rússia se dá num momento em que a guerra na Ucrânia ultrapassa os três anos sem perspectiva de solução diplomática. O apoio militar irrestrito da OTAN ao governo de Volodymyr Zelensky, o envio de armamentos de longo alcance e a autorização para ataques ucranianos contra território russo com armas ocidentais acirraram as tensões.
A recente ofensiva russa sobre Kharkiv, que matou ao menos três pessoas e feriu outras 22, serviu como justificativa para a aceleração do plano de bunkers. O prefeito da cidade, Ihor Terekhov, classificou o ataque como “o mais poderoso desde o início da guerra”. Tais declarações são amplificadas pela imprensa ocidental e utilizadas por governos da União Europeia como argumento para novas ondas de militarização e vigilância.
Na Alemanha, o pânico gerado tem um efeito político estratégico: aumenta o apoio popular às medidas de segurança, facilita repasses bilionários para a indústria bélica e reforça o discurso de emergência nacional — útil tanto para blindar lideranças políticas quanto para deslocar o foco de crises internas.
O custo da paranoia
O plano alemão de defesa civil não é apenas simbólico. Segundo estimativas do próprio BBK, serão necessários €10 bilhões até 2029 e cerca de €30 bilhões ao longo da próxima década. A conta será paga por um país que já enfrenta desaceleração econômica, desindustrialização e desgaste social crescente.
O chefe da proteção civil também propôs a criação de um serviço nacional de defesa civil — compulsório ou voluntário — como forma de “engajamento cívico” da população. Na prática, isso pode significar o retorno de obrigações militares disfarçadas sob a bandeira da “resiliência social”.
Enquanto a Alemanha mobiliza recursos públicos para preparar bunkers, países como a Finlândia são usados como exemplo de eficiência. Lá, 50.000 salas de proteção conseguem acomodar 85% da população. Tiesler reconhece que construir novos abrigos levaria tempo e seria custoso demais, motivo pelo qual o plano foca em adaptar o que já existe.
O contexto geopolítico por trás dos muros
A construção de bunkers não pode ser compreendida apenas como uma resposta a riscos militares. Ela faz parte de um arranjo geopolítico mais amplo em que Estados Unidos, Alemanha e seus aliados na OTAN apostam na confrontação com a Rússia como vetor de unidade interna e supremacia global.
O medo da guerra serve também como cortina de fumaça: enquanto se finge proteger a população com bunkers e sirenes, se empurra a Europa para a dependência estratégica de Washington e se encobre o fracasso das políticas diplomáticas.
O esforço bélico europeu não visa à paz, mas à permanência de um modelo de poder. E os bunkers, mais do que abrigos, são símbolos de uma elite que já perdeu a capacidade de imaginar alternativas à guerra — restando apenas a paranoia como método de governo.
O Carioca Esclarece
Por que a Alemanha decidiu reativar seus bunkers agora?
A reativação faz parte de uma estratégia mais ampla da OTAN para reforçar a retórica de confronto com a Rússia. O objetivo é preparar a população para um cenário de conflito, ainda que improvável, e justificar gastos militares crescentes.
Há risco real de guerra entre Alemanha e Rússia?
Não há indicativos concretos de que a Rússia tenha intenção de atacar diretamente a Alemanha. O conflito permanece concentrado na Ucrânia. A construção de bunkers reflete mais um cálculo político interno do que uma ameaça externa real.
Como esse plano se conecta com os interesses da OTAN?
A OTAN tem pressionado seus membros a aumentarem investimentos em defesa e resiliência civil. A Alemanha segue essa diretriz, reforçando o alinhamento com os EUA e preparando o terreno para maior participação militar na Europa Oriental.