Rio de Janeiro, 3 de junho de 2025 — O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) decidiu arquivar o inquérito que investigava o jogador francês Dimitri Payet, do Vasco da Gama, por violência psicológica, física e sexual contra a advogada Larissa Ferrari. A decisão, homologada em 8 de maio, afirma que não há provas suficientes para configurar crime, e que as práticas relatadas no processo se deram num contexto considerado consensual. A defesa da vítima recorreu da decisão, e acionou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para aplicação do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero.
A palavra-chave “Payet” entra cedo na matéria, como exige o SEO, mas o caso extrapola o universo esportivo: expõe as lacunas estruturais da justiça brasileira na interpretação de consentimento, vulnerabilidade psíquica e relações de poder. A promotoria baseou-se em trocas de mensagens entre os envolvidos — traduzidas do francês com uso de inteligência artificial — para afirmar que havia entre Payet e Larissa um vínculo afetivo-sexual consensual, inclusive com práticas de sadomasoquismo. Segundo o MPRJ, não se comprovou a existência de coação, violência ou manipulação.
“Difícil mensurar o limite”
A promotoria afirma que é “difícil mensurar o grau de limite do que a vítima considerava razoável”. A avaliação foi feita a partir da entrevista de Larissa à Defensoria Pública, na qual ela teria admitido que tapas e mordidas eram frequentes nas relações sexuais. O MPRJ acrescenta que, embora haja fotos de hematomas e laudos médicos, o contexto das mensagens não permite afirmar que houve agressão não consentida.
Na narrativa apresentada pelo MP, o fim do relacionamento teria sido motivado pela recusa de Payet em abandonar a esposa, Ludivine Payet, com quem tem quatro filhos. Isso, segundo o órgão, teria frustrado Larissa e motivado a denúncia. “A sugestão apresentada pela suposta vítima não foi aceita, fato que ensejou o seu descontentamento, que culminou com o registro da ocorrência e a instauração do inquérito policial”, pontua o documento.

Defesa contesta “consentimento”
A linha de argumentação da promotoria é justamente o ponto mais contestado pela defesa de Larissa Ferrari, que apresentou recurso ao VII Juizado da Violência Doméstica e Familiar da Barra da Tijuca. Os advogados sustentam que o consentimento foi viciado, já que a advogada é portadora de Transtorno de Personalidade Borderline, condição que a colocaria em situação de vulnerabilidade emocional.
Relatórios psicológicos anexados ao processo apontam dano psíquico severo decorrente da relação com Payet, e sugerem que houve manipulação afetiva e abuso emocional. “Negar seguimento à persecução penal diante dessas evidências é negar o próprio direito da mulher à dignidade, integridade psíquica e sexual”, diz um trecho do recurso. A defesa afirma ainda que a ausência de coação física não elimina a hipótese de violência psicológica estruturada dentro de um padrão relacional abusivo, muitas vezes invisibilizado por normas jurídicas antiquadas.
Protocolo de Gênero ignorado?
Como resposta institucional, os advogados acionaram o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, criado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2021 para orientar magistrados na análise de casos em que relações de poder e gênero estejam implicadas. O protocolo parte do princípio de que o consentimento feminino em relações com homens em posição de poder ou prestígio deve ser analisado com maior rigor, levando em conta aspectos como dependência emocional, manipulação e contexto social.
A decisão do Ministério Público, no entanto, ignora esse protocolo, ao privilegiar a literalidade de mensagens e descontextualizar os impactos emocionais e psíquicos do vínculo entre Larissa e o jogador. Para a defesa, o caso simboliza um retrocesso jurídico e cultural na proteção das mulheres, sobretudo quando os agressores ocupam posições de destaque na mídia ou no esporte.
A impunidade da celebridade
A postura do MPRJ reforça um padrão observado em outros casos envolvendo figuras públicas: o peso simbólico da fama parece operar como blindagem tácita diante de denúncias graves. Dimitri Payet, embora esteja no fim da carreira, ainda é uma referência esportiva na França e foi tratado como reforço de prestígio pelo Vasco da Gama. Sua chegada ao Brasil gerou repercussão e expectativa, mas o caso expôs o lado sombrio das relações entre esporte, celebridade e violência de gênero.
A Justiça ainda vai analisar o recurso e poderá reabrir o inquérito, caso considere os argumentos da defesa procedentes. Até lá, permanece a tensão entre duas narrativas inconciliáveis: a da mulher que afirma ter sido manipulada emocional e sexualmente, e a do jogador cuja fama parece garantir o benefício da dúvida.