Sustentabilidade

Combustível de Aviação Sustentável desenvolvido no Brasil é passo promissor rumo à descarbonização dos transportes

6 de março de 2025
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Novo SAF (sigla em inglês para Combustível de Aviação Sustentável), em desenvolvimento por cientistas da UFMG, utiliza nióbio e óleo de palma em sua composição, e possui condições de substituir diretamente gasolina, diesel e querosene de aviação, sem necessidade de adaptações na infraestrutura existente. Reprodução / Instituto Brasileiro de Aviação
Novo SAF (sigla em inglês para Combustível de Aviação Sustentável), em desenvolvimento por cientistas da UFMG, utiliza nióbio e óleo de palma em sua composição, e possui condições de substituir diretamente gasolina, diesel e querosene de aviação, sem necessidade de adaptações na infraestrutura existente. Freepik

Fabiana Pereira de Sousa, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Os biocombustíveis têm se consolidado como uma solução promissora para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, como o CO₂, que impactam diversos setores de transporte. O setor aeronáutico, por exemplo, é responsável por aproximadamente 2,5% das emissões globais desses gases e consome anualmente cerca de 390 bilhões de litros de querosene de aviação.

Diante desse cenário, a busca por Combustíveis de Aviação Sustentáveis (SAF, na sigla em inglês) tem ganhado força, impulsionada pelo crescimento expressivo do setor e por compromissos internacionais, como o NET ZERO, que tem como principal meta zerar as emissões líquidas de CO2 até 2050.

Desafios da produção de SAF

A produção de SAF apresenta desafios significativos. Esses combustíveis devem atender aos rigorosos requisitos da norma ASTM D7566 e da Resolução ANP 856 (que estabelecem as especificações do SAF), além de serem compatíveis com aeronaves existentes, oferecendo alto desempenho.

Entre suas características essenciais estão a estabilidade térmica e oxidativa, para evitar a formação de compostos indesejados; o alto poder calorífico, necessário para fornecer energia adequada em um volume reduzido; e o baixo ponto de congelamento, indispensável para operar em elevadas altitudes.

Além disso, o SAF deve ser um combustível “drop-in”, termo usado para descrever combustíveis renováveis que podem substituir diretamente os combustíveis fósseis sem a necessidade de modificar os motores ou a infraestrutura de distribuição existentes. Para isso, ele precisa ser composto exclusivamente por moléculas de hidrocarbonetos – como seu análogo mineral já em uso.

Os biocombustíveis “drop-in”, ou avançados, são promissores não apenas para o setor aéreo, mas também para outros modos de transporte, como automóveis, caminhões, ônibus, embarcações e navios. A adoção desses combustíveis pode reduzir a dependência de derivados de petróleo, como gasolina, diesel e combustíveis marítimos, contribuindo para diversificar a matriz energética nacional e gerando benefícios ambientais importantes.

SAF – rota HEFA

O hidroprocessamento de ésteres e ácidos graxos (HEFA, na sigla em inglês) é uma das rotas mais consolidadas para a produção de SAF e diesel verde no mundo. Essa tecnologia transforma óleos e gorduras de origem vegetal ou animal em bio-hidrocarbonetos por meio de processos semelhantes aos empregados na indústria de refino de petróleo para remoção de heteroátomos. Um exemplo desse processo é a hidrodesoxigenação (HDO), que visa retirar átomos de oxigênio dos derivados do petróleo, proporcionando ao combustível maior poder calorífico, maior estabilidade e melhores propriedades a frio.

Apesar de eficiente, a rota HEFA demanda condições operacionais severas como altas pressões de hidrogênio (50-200 bar), temperaturas elevadas (250-450 °C) e catalisadores caros, geralmente contendo metais nobres, como platina ou paládio. Esses fatores elevam os custos de operação e investimento, dificultando a competitividade em relação aos derivados de petróleo.

Um SAF inovador

Para superar esses desafios, nossa equipe do Laboratório de Ensaios de Combustíveis da UFMG (LEC-UFMG), composta pelos pesquisadores Gustavo Pereira dos Reis, Vânya Márcia Duarte Pasa e eu, desenvolvemos uma tecnologia que elimina o uso de hidrogênio e utiliza fosfato de nióbio (NbOPO₄) como catalisador no processo de pirólise de óleos de palma (polpa e amêndoa).

Esse avanço foi reconhecido no “Prêmio ANP 2024 de Inovação Tecnológica”, na categoria PRH, que reconhece trabalhos desenvolvidos no âmbito do Programa de Formação de Recursos Humanos da ANP (PRH-ANP).

A escolha pelo catalisador à base de nióbio (Nb) é estratégica. Além de ser mais acessível do que os materiais usados nos processos HEFA, o Brasil detém mais de 98% das reservas conhecidas e lavráveis de nióbio no mundo. Assim, o uso desse recurso fortalece uma cadeia produtiva nacional, reduz custos e agrega valor a uma tecnologia genuinamente brasileira.

O processo desenvolvido pelo LEC-UFMG opera em condições significativamente mais brandas: 350 °C e pressão de 10 bar de nitrogênio, ao invés do hidrogênio. Isso reduz os custos operacionais e aumenta a segurança. Os testes demonstraram uma conversão de até 95% dos óleos em hidrocarbonetos, com produção potencial de 21% de biogasolina (5 a 10 átomos de carbono por molécula), 83% de SAF (9 – 15 carbonos) e 80% de diesel verde (10 a 25 carbonos). Cabe destacar que a análise teórica das frações combustíveis foi baseada no tamanho da cadeia carbônica, resultando em uma soma superior a 100% devido à sobreposição de compostos nas faixas de destilação.

A fração SAF, separada por destilação, atendeu aos requisitos da norma ASTM D7566, com temperatura de congelamento de -47 °C e poder calorífico de 44 MJ/kg, compatíveis com o querosene de aviação fóssil.

O diferencial dessa tecnologia está em sua sustentabilidade e viabilidade econômica. A ausência de hidrogênio, o uso de catalisador de menor custo e a produção de múltiplos combustíveis em uma única etapa tornam o método altamente promissor para aplicações industriais. Além disso, contribuímos para a produção de combustíveis “drop-in” avançados, que podem substituir diretamente gasolina, diesel e querosene de aviação, sem a necessidade de adaptações na infraestrutura existente.

Essa inovação da UFMG representa um avanço significativo rumo à descarbonização do setor de transportes e reforça o papel do Brasil como líder global na pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis avançados.

Fabiana Pereira de Sousa, Doutora em Ciência Química, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

Redacao

Equipe de jornalistas do Jornal DC - Diário Carioca

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