O Rio de Janeiro viveu nesta semana a chacina mais letal de sua história, com números que já superam o massacre do Carandiru, de 1992. A operação policial nos complexos da Penha e do Alemão deixou oficialmente 119 mortos, incluindo quatro policiais, mas moradores e entidades de direitos humanos apontam que o total pode ultrapassar 130 vítimas.
A ação, mobilizando 2.500 agentes das polícias Civil e Militar, helicópteros, blindados e tecnologia avançada, tinha como objetivo declarado combater o Comando Vermelho (CV). Foram cumpridos cerca de 100 mandados de prisão, sendo 33 contra criminosos de outros estados, com apreensão de 91 fuzis e 26 pistolas.
Secretários exaltam operação enquanto moradores contabilizam mortos
O secretário da Polícia Civil, Felipe Curi, descreveu a chacina como resultado de planejamento estratégico de um ano, com cerco a criminosos em áreas de mata:
“Optamos em aumentar o risco da nossa tropa e diminuir o risco da população que reside nos complexos. Foi exatamente o que queríamos, o cenário que planejamos.”
O secretário de Segurança Pública, Victor Santos, reconheceu que a letalidade era previsível, mas minimizou as mortes:
“Parte desses criminosos resolveu enfrentar o Estado e atacou nossos policiais. As vítimas são os quatro inocentes que foram baleados e os quatro policiais que morreram.”
O governador Cláudio Castro (PL) tratou a chacina como “sucesso”:
“Não vamos ficar chorando. Tirando a vida dos policiais, o resto foi um sucesso. O Rio de Janeiro sai na frente. Não nos furtaremos a fazer a nossa parte.”
“Muro do Bope” empurrou criminosos para a morte
O coronel Marcelo de Menezes, secretário de Polícia Militar, detalhou a estratégia apelidada de “Muro do Bope”, que cercou traficantes na Serra da Misericórdia e os empurrou para áreas de mata. A operação resultou em 113 presos, incluindo 10 adolescentes, e apreensão de drogas, munições e explosivos.
Moradores retiraram 72 corpos da mata, levados à Praça São Lucas. Entidades de direitos humanos e a Defensoria Pública denunciam execuções sumárias e exigem investigação independente.
IML mobilizado e investigação independente
O IML do Centro suspendeu atendimentos de rotina para focar nas vítimas da chacina. Familiares foram direcionados ao prédio anexo do Detran, enquanto casos não relacionados foram transferidos para o IML de Niterói.
A DPU criticou a escalada da violência policial:
“Ações de segurança pública não podem resultar em execuções sumárias, desaparecimentos ou violações de direitos humanos, sobretudo em comunidades historicamente marcadas por desigualdade e exclusão institucional.”
Comparativo histórico: Carandiru e Penha/Alemão
| Evento | Ano | Local | Mortos | Agentes | Contexto |
|---|---|---|---|---|---|
| Carandiru | 1992 | São Paulo | 111 | 341 | Repressão a rebelião no presídio |
| Penha/Alemão | 2025 | Rio de Janeiro | 119–132 | 2.500 | Chacina em área urbana contra facção |
Apesar do contexto distinto, ambos os episódios revelam letalidade extrema e ausência de controle efetivo sobre o uso da força. A chacina do Rio reforça o debate sobre direito à vida versus discurso de guerra do Estado.
Crítica à gestão de Cláudio Castro
Especialistas apontam que a operação evidencia uma política de confronto militarizada, sem integração com programas sociais. O governo estadual transformou favelas em zonas de guerra, ignorando decisões do STF e CNJ sobre limites legais e proteção de civis.
O pesquisador Ignácio Cano (UERJ) afirmou:
“Essa retórica militariza a polícia, desumaniza moradores e naturaliza a barbárie. É um modelo de segurança pública que mata muito e resolve pouco.”
Ecos da tragédia e impunidade
Mais de 30 anos após o Carandiru, o Rio assiste à repetição do mesmo ciclo de morte e impunidade, agora nas ruas. Enquanto o governo exalta a operação como “vitória sobre o crime”, famílias enterram vítimas e moradores relatam execuções sumárias. A pergunta permanece: até quando o Estado sacrificará vidas em nome de uma segurança pública militarizada?


