A pergunta “Jesus era comunista?” pode parecer provocativa, mas ela tem ganhado destaque em debates teológicos e sociais, sendo discutida por estudiosos, líderes religiosos e até mesmo por figuras de destaque na Igreja Católica, como o Papa Francisco. Esta questão, que atravessa as fronteiras da teologia e da política, é impulsionada pela interpretação dos ensinamentos de Jesus, que defendiam uma radical solidariedade social e uma crítica contundente à riqueza. Ao confrontarmos a proposta de Jesus com a realidade contemporânea da teologia da prosperidade, o contraste se torna ainda mais evidente.
A Visão do Papa Francisco
O Papa Francisco, conhecido por suas posições progressistas e suas críticas ao neoliberalismo, abordou o tema de forma clara em uma entrevista à revista America Magazine. Ele declarou: “Se vejo o Evangelho apenas de maneira sociológica, sim, sou comunista, e Jesus também.” Para Francisco, a mensagem de Jesus se concentra em ações concretas de justiça social, como alimentar os famintos, vestir os nus e visitar os presos — práticas que ele vê como fundamentais para o julgamento final, conforme descrito no Evangelho de Mateus (25:31-46). Ao afirmar que Jesus também seria comunista, o Papa se alinha com a ideia de que os princípios do cristianismo incluem uma forte crítica à desigualdade social e uma preferência pelos pobres e marginalizados.
Partilha dos Bens: Uma Prática Cristã Primitiva
No livro de Atos dos Apóstolos, vemos que os primeiros cristãos praticavam uma vida comunitária, vendendo suas propriedades e repartindo os bens conforme a necessidade de cada um (Atos 2:45). Esse modelo de vida, baseado na partilha dos bens e na equidade, é frequentemente comparado ao comunismo, não no sentido de uma ideologia política moderna, mas como uma prática social que privilegia a justiça social e o bem-estar coletivo. Para muitos teólogos, essa prática de partilha reflete a visão de um mundo em que as riquezas são distribuídas de acordo com as necessidades e não acumuladas por poucos.
Frei Betto e o Projeto Cristão-Comunista
O teólogo brasileiro Frei Betto, em suas reflexões feitas em conversa com o Brasil de Fato, afirma que “ser cristão significa ser a favor de um projeto comunista de sociedade”. Para ele, ser cristão não é apenas professar uma fé espiritual, mas também defender a redistribuição de bens e a eliminação das desigualdades estruturais. Frei Betto entende o termo “comunismo” de maneira ampla, como a promoção de uma sociedade mais justa e igualitária, que coloca em comum os bens da terra e os frutos do trabalho humano, assim como Jesus fez ao pedir que seus seguidores colocassem o bem-estar coletivo acima da riqueza individual.
Jesus e os Marginalizados
Os ensinamentos de Jesus estavam profundamente ligados aos oprimidos e marginalizados da sociedade. Ele curou leprosos (Marcos 1:40-45), falou com mulheres marginalizadas e se sentou à mesa com pecadores. Esses gestos não eram apenas religiosos ou espirituais, mas também políticos, pois desafiavam as normas sociais excludentes de seu tempo. Ao tocar um leproso, por exemplo, Jesus não apenas curou a doença física, mas também restaurou sua dignidade e posição dentro da sociedade. Esse tipo de ação é visto como uma forma de subverter a ordem social vigente e de afirmar a igualdade fundamental de todos perante Deus.
O Paradoxo: Teologia da Prosperidade vs. Jesus e os Pobres
O grande paradoxo que surge quando se examina a relação entre Jesus e o comunismo é o contraste com a teologia da prosperidade, uma doutrina que tem se espalhado por muitas igrejas evangélicas. Essa teologia, que prega que a fé em Deus traz prosperidade material, é defendida por pastores bilionários que acumulam riquezas enquanto incitam seus seguidores a contribuírem financeiramente para obter bênçãos divinas. Essa visão contrasta radicalmente com os ensinamentos de Jesus, que criticava o apego à riqueza e exortava seus seguidores a abrir mão dos bens materiais em nome do reino de Deus.
No episódio do jovem rico, narrado em Mateus 19:21-24, Jesus diz: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me.” Quando o jovem recusa, Jesus adverte: “É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus.” O contraste entre a mensagem de desapego e a busca pela riqueza no contexto da teologia da prosperidade é gritante. Enquanto muitos pregam que a fé pode levar à prosperidade material, Jesus sugere que o verdadeiro caminho para a salvação exige renúncia aos bens materiais e dedicação à justiça social.
Jesus e o Marxismo: Parâmetros e Divergências
Embora Jesus tenha vivido séculos antes de Karl Marx, suas ideias sobre a desigualdade social têm sido comparadas ao marxismo, que também advoga pela eliminação das disparidades econômicas e pela promoção de uma sociedade sem classes. O ativista Eugene V. Debs, em 1914, chegou a descrever Jesus como “o maior revolucionário do mundo” e afirmou que o Evangelho de Jesus representava um “comunismo mais puro”. No entanto, as diferenças entre o cristianismo e o marxismo são evidentes. O marxismo é uma ideologia materialista e ateísta, enquanto o cristianismo tem uma base teológica e espiritual. Ambos, porém, compartilham a crítica à desigualdade e a necessidade de transformação social.
Entenda o Debate: Jesus Era Comunista?
Aspecto | Comunismo | Ensinamentos de Jesus |
---|---|---|
Propriedade | Coletiva | Partilha dos bens entre todos |
Foco | Igualdade material | Justiça social e espiritual |
Relação com a riqueza | Crítica à acumulação | “Ai dos ricos” (Lucas 6:24) |
Motivação | Revolução política e econômica | Transformação ética e espiritual |
Objetivo final | Sociedade sem classes | Reino de Deus baseado no amor ao próximo |
Comunismo ou Compromisso com a Justiça?
A associação de Jesus com o comunismo é complexa e multifacetada. A mensagem de Jesus não pode ser facilmente reduzida a um sistema político ou econômico, mas seus ensinamentos claramente colidem com os princípios do individualismo capitalista e da acumulação de riqueza. A visão de um mundo mais justo e igualitário que ele pregou desafia as estruturas de poder que priorizam os ricos e poderosos, seja no primeiro século, seja nos dias de hoje.
Classificar Jesus como comunista pode ser uma simplificação excessiva de sua mensagem, mas é inegável que seus ensinamentos defendem uma radical igualdade social e uma solidariedade profunda com os marginalizados. Talvez a questão não seja se Jesus era ou não comunista, mas como podemos, hoje, aplicar suas palavras e ações para construir uma sociedade mais justa, solidária e inclusiva, que de fato reflita os princípios do Reino de Deus que ele proclamou.