Secretário de Polícia Civil sobre resultado de operação com 119 mortos: ‘Cenário que planejamos’

Massacre nos complexos da Penha e do Alemão ultrapassa massacre do Carandiru e expõe falhas na gestão de Cláudio Castro

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JR Vital é jornalista e editor do Diário Carioca. Formado no Rio de Janeiro, pela faculdade de jornalismo Pinheiro Guimarães, atua desde 2007, tendo passado por...
© Tomaz Silva/Agência Brasil

O Rio de Janeiro viveu nesta semana a chacina mais letal de sua história, com números que já superam o massacre do Carandiru, de 1992. A operação policial nos complexos da Penha e do Alemão deixou oficialmente 119 mortos, incluindo quatro policiais, mas moradores e entidades de direitos humanos apontam que o total pode ultrapassar 130 vítimas.

A ação, mobilizando 2.500 agentes das polícias Civil e Militar, helicópteros, blindados e tecnologia avançada, tinha como objetivo declarado combater o Comando Vermelho (CV). Foram cumpridos cerca de 100 mandados de prisão, sendo 33 contra criminosos de outros estados, com apreensão de 91 fuzis e 26 pistolas.


Secretários exaltam operação enquanto moradores contabilizam mortos

O secretário da Polícia Civil, Felipe Curi, descreveu a chacina como resultado de planejamento estratégico de um ano, com cerco a criminosos em áreas de mata:

“Optamos em aumentar o risco da nossa tropa e diminuir o risco da população que reside nos complexos. Foi exatamente o que queríamos, o cenário que planejamos.”

O secretário de Segurança Pública, Victor Santos, reconheceu que a letalidade era previsível, mas minimizou as mortes:

“Parte desses criminosos resolveu enfrentar o Estado e atacou nossos policiais. As vítimas são os quatro inocentes que foram baleados e os quatro policiais que morreram.”

O governador Cláudio Castro (PL) tratou a chacina como “sucesso”:

“Não vamos ficar chorando. Tirando a vida dos policiais, o resto foi um sucesso. O Rio de Janeiro sai na frente. Não nos furtaremos a fazer a nossa parte.”


“Muro do Bope” empurrou criminosos para a morte

O coronel Marcelo de Menezes, secretário de Polícia Militar, detalhou a estratégia apelidada de “Muro do Bope”, que cercou traficantes na Serra da Misericórdia e os empurrou para áreas de mata. A operação resultou em 113 presos, incluindo 10 adolescentes, e apreensão de drogas, munições e explosivos.

Moradores retiraram 72 corpos da mata, levados à Praça São Lucas. Entidades de direitos humanos e a Defensoria Pública denunciam execuções sumárias e exigem investigação independente.


IML mobilizado e investigação independente

O IML do Centro suspendeu atendimentos de rotina para focar nas vítimas da chacina. Familiares foram direcionados ao prédio anexo do Detran, enquanto casos não relacionados foram transferidos para o IML de Niterói.

A DPU criticou a escalada da violência policial:

“Ações de segurança pública não podem resultar em execuções sumárias, desaparecimentos ou violações de direitos humanos, sobretudo em comunidades historicamente marcadas por desigualdade e exclusão institucional.”


Comparativo histórico: Carandiru e Penha/Alemão

EventoAnoLocalMortosAgentesContexto
Carandiru1992São Paulo111341Repressão a rebelião no presídio
Penha/Alemão2025Rio de Janeiro119–1322.500Chacina em área urbana contra facção

Apesar do contexto distinto, ambos os episódios revelam letalidade extrema e ausência de controle efetivo sobre o uso da força. A chacina do Rio reforça o debate sobre direito à vida versus discurso de guerra do Estado.


Crítica à gestão de Cláudio Castro

Especialistas apontam que a operação evidencia uma política de confronto militarizada, sem integração com programas sociais. O governo estadual transformou favelas em zonas de guerra, ignorando decisões do STF e CNJ sobre limites legais e proteção de civis.

O pesquisador Ignácio Cano (UERJ) afirmou:

“Essa retórica militariza a polícia, desumaniza moradores e naturaliza a barbárie. É um modelo de segurança pública que mata muito e resolve pouco.”


Ecos da tragédia e impunidade

Mais de 30 anos após o Carandiru, o Rio assiste à repetição do mesmo ciclo de morte e impunidade, agora nas ruas. Enquanto o governo exalta a operação como “vitória sobre o crime”, famílias enterram vítimas e moradores relatam execuções sumárias. A pergunta permanece: até quando o Estado sacrificará vidas em nome de uma segurança pública militarizada?

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JR Vital é jornalista e editor do Diário Carioca. Formado no Rio de Janeiro, pela faculdade de jornalismo Pinheiro Guimarães, atua desde 2007, tendo passado por grandes redações.