São Paulo, Brasil – 3 de junho de 2025
Um ataque misógino articulado atingiu em cheio a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) no último fim de semana. As 25 deputadas estaduais receberam, no sábado (31), um e-mail com ameaças explícitas de estupro e morte. O conteúdo era também racista e capacitista, citando nominalmente algumas parlamentares e escancarando, mais uma vez, a violência de gênero como instrumento de silenciamento político no Brasil.
Um ataque coletivo contra mulheres no poder
Em nota conjunta divulgada nesta segunda-feira (2), as deputadas estaduais denunciaram o ataque como uma tentativa coordenada de intimidação, que ultrapassa o limite da ameaça pessoal e se inscreve no contexto mais amplo da violência política de gênero. “Trata-se de uma nítida tentativa de silenciar mulheres em um ataque misógino, racista e capacitista”, afirmaram.
Entre as signatárias da nota está Leci Brandão (PCdoB), uma das vozes históricas da luta antirracista e feminista no país. As parlamentares sublinham que, embora ameaças individuais já tenham ocorrido, esta é a primeira vez que todas as deputadas da Casa são alvo simultâneo de um ataque virtual com esse nível de gravidade.
Violência política de gênero: uma epidemia invisível
O caso evidencia o custo que mulheres, especialmente negras, progressistas e defensoras de direitos humanos, enfrentam ao ocuparem cargos públicos. A presença feminina na Alesp, ainda que minoritária — 25 mulheres entre 94 cadeiras, ou 27% — já é o maior índice da história da Casa. Mas o crescimento da representatividade vem acompanhado de uma escalada de hostilidade e ataques coordenados.
A tentativa de intimidação não é isolada. Em todo o país, o aumento da violência política de gênero acompanha o avanço de pautas feministas e antirracistas nos espaços institucionais. O modus operandi é conhecido: ameaças anônimas, discurso de ódio digital, campanhas difamatórias e tentativas sistemáticas de inviabilizar a atuação de mulheres no Legislativo.
Política de ódio e omissão institucional
A resposta do Estado, como em episódios anteriores, tem sido lenta e insuficiente. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) confirmou que um homem de 28 anos está sendo investigado como autor das ameaças. Computador e celular foram apreendidos em sua residência. O caso foi registrado como ameaça, injúria racial e falsa identidade.
O presidente da Alesp, André do Prado, repudiou publicamente as agressões e informou que as Polícias Civil e Militar estão acompanhando o caso. Mas a nota protocolada pelas deputadas na Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância) vai além: exige ações concretas, proteção real e a implementação de políticas públicas de enfrentamento à violência política de gênero.
“Intimidações desse tipo NÃO PODEM SER ACEITAS sob o regime democrático em que vivemos, mas elas mostram o quão urgente também se faz a adoção de políticas públicas”, afirmam.
Silenciamento não é acidente: é projeto político
O ataque coletivo às deputadas paulistas expõe uma estratégia conhecida da extrema direita e de setores conservadores que, incapazes de disputar votos ou argumentos, recorrem à violência para manter a exclusão de gênero e raça nas estruturas de poder. A misoginia política não é um subproduto do extremismo, mas um componente estruturante de sua prática.
Ao mirar as 25 parlamentares, o agressor — e os que o encorajam — não buscava apenas espalhar medo. Buscava enviar um recado: que as mulheres “não devem” ocupar o espaço público. Esse recado, contudo, tem sido respondido com firmeza por diversas lideranças femininas no país, que denunciam a normalização desse tipo de ataque e apontam a conivência de setores do Estado.
Proteção às parlamentares é dever democrático
O caso de São Paulo não pode cair no esquecimento. Além da responsabilização criminal do autor, é necessário que o parlamento estadual, o governo paulista e o Congresso Nacional se mobilizem para criar mecanismos reais de proteção a mulheres na política. Isso inclui protocolos de segurança, estrutura de denúncia, apoio psicológico e respostas rápidas às ameaças.
Mais do que proteger 25 mandatos, trata-se de proteger o direito das mulheres de participarem da política sem medo, sem chantagem e sem violência. O Brasil não pode continuar a ser um dos países mais perigosos do mundo para mulheres eleitas.