Ódio não tem graça

Justiça condena Léo Lins por discurso de ódio

Comediante recebe pena de mais de 8 anos por piadas que incitaram preconceito contra minorias; juiz nega "passe-livre" ao humor

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Equipe de jornalistas do Jornal DC - Diário Carioca

São Paulo, 3 de junho de 2025 — A Justiça Federal de São Paulo condenou o comediante Léo Lins a 8 anos e 3 meses de prisão em regime inicialmente fechado, além de aplicar multas e indenizações milionárias, por um show que extrapolou os limites legais da liberdade de expressão ao incitar preconceitos contra grupos minoritários, promover discursos discriminatórios e tratar tragédias com escárnio. A sentença, proferida pela 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, acata integralmente a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2022.

O caso remonta a uma apresentação de stand-up humorístico em que Léo Lins abordou com sarcasmo e desprezo temas sensíveis como racismo, pedofilia, estupro, gordofobia e zoofilia, além de debochar de tragédias como o incêndio da Boate Kiss, ocorrido em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 2013. O vídeo da apresentação foi amplamente divulgado pela internet e tornou-se parte do processo.

Liberdade de expressão sob escrutínio judicial
A sentença reafirma que o direito à liberdade de expressão, embora protegido pela Constituição, não é absoluto. “Deve ser exercido dentro dos parâmetros legais e com respeito à dignidade da pessoa humana e à igualdade jurídica”, afirma o texto da decisão. O juiz responsável pela condenação sustenta que, ao promover preconceitos e estigmas sob o manto do humor, Lins ultrapassou os limites do que é juridicamente admissível.

A Justiça considerou como agravante o fato de as falas ocorrerem em um contexto de entretenimento, o que, segundo a decisão, não configura um “passe-livre” para cometer crimes. A sentença destaca que declarações de cunho discriminatório proferidas com o objetivo de divertir não anulam sua potencialidade lesiva nem sua ilegalidade.

Indenização milionária por danos morais coletivos
Além da pena privativa de liberdade, o comediante foi condenado ao pagamento de uma multa de 1.170 salários mínimos, o equivalente a aproximadamente R$ 1,7 milhão, e ao desembolso de R$ 303,6 mil por danos morais coletivos. A condenação representa uma sinalização enfática do Judiciário contra a normalização de discursos ofensivos mascarados de humor.

Segundo o MPF, o show de Lins representa “um ataque sistemático à dignidade de populações historicamente marginalizadas, com o objetivo não apenas de fazer rir, mas de ridicularizar e desumanizar”. A promotoria citou também a reincidência do comediante nesse tipo de abordagem, o que, segundo a acusação, demonstra dolo consciente.

Confissão gravada e desprezo às consequências
Em diversos momentos da apresentação registrada em vídeo, Léo Lins admite que as piadas são preconceituosas e diz ter plena consciência de que poderia ser processado por elas. Em um trecho, chega a dizer que a única forma de evitar punições seria não divulgar o conteúdo — o que acabou não acontecendo.

Para a Justiça, essa atitude configura premeditação e desprezo pelas consequências jurídicas e sociais dos seus atos. A sentença observa ainda que o comediante demonstra “nenhum arrependimento ou senso de responsabilidade” pelo que disse em palco.

Caminhos jurídicos e reação pública
A defesa de Léo Lins deve recorrer da decisão, o que pode levar o caso ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, sediado em São Paulo. Até o momento, o comediante não se pronunciou oficialmente sobre a condenação. Seu último posicionamento público foi feito em 2023, quando alegou estar sendo vítima de “censura ideológica”.

A decisão judicial, entretanto, não versa sobre censura prévia, mas sobre responsabilidade penal por atos discriminatórios, reforçando a interpretação constitucional de que a liberdade de expressão não abrange o discurso de ódio — princípio também reconhecido em diversas democracias e tribunais internacionais.

Debate público sobre os limites do humor
A condenação de Léo Lins reacende um debate antigo no Brasil: onde termina o humor e onde começa o crime? Para entidades de direitos humanos, a decisão representa um precedente importante contra o uso de palcos e plataformas digitais como espaços de legitimação do preconceito.

Por outro lado, defensores da liberdade irrestrita de expressão veem na sentença um risco à autonomia criativa dos artistas, argumento rebatido por juristas que apontam a diferença entre crítica social legítima e incitação ao ódio.

O episódio se insere em um contexto mais amplo de judicialização de discursos públicos, especialmente diante do crescimento de conteúdos ultrajantes, racistas e misóginos no ambiente digital. Embora a condenação ainda caiba recurso, o caso Léo Lins já marca o debate contemporâneo sobre os deveres e limites da comédia no século XXI.

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