O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) iniciou nesta terça-feira o julgamento de três processos administrativos disciplinares contra o ex-juiz Marcelo Bretas, figura central da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro e símbolo da cruzada judicial que implodiu a política brasileira na última década. A sessão, contudo, tem potencial para coroar uma trajetória repleta de abusos com uma espécie de prêmio institucional: a aposentadoria compulsória com salário integral — um privilégio reservado aos poucos que erram gravemente, mas dentro do aparato judiciário.
Acusações não faltam
O relatório apresentado pelo conselheiro José Edivaldo Rocha Rotondano, relator do caso, escancara uma lista de violações éticas que desmontam a imagem heroica construída ao redor de Bretas. As acusações incluem desde manipulação de distribuição de processos para assegurar o controle de casos bilionários da Lava Jato até o impedimento de acesso de advogados a documentos essenciais da defesa.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também apresentou denúncia contundente contra o ex-magistrado, acusando-o de se comportar como coach judicial, utilizando indevidamente sua condição de juiz para promoção pessoal e comercial — uma aberração ética para quem deve zelar pela sobriedade da Justiça.
Mais grave ainda é a acusação de que Marcelo Bretas teria negociado penas, orientado advogados e combinado estratégias com o Ministério Público Federal (MPF), como revelou a delação do advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho. A colaboração foi arquivada por falta de provas formais pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), mas o relato permanece como mancha indelével na biografia de um juiz que dizia combater a corrupção.
Punição de fachada?
Apesar da gravidade dos fatos, o CNJ pode decidir por uma punição que soa mais como prêmio: a aposentadoria compulsória, que permite a Marcelo Bretas manter um salário superior a R$ 61 mil mensais, somando o vencimento proporcional ao tempo de serviço e os penduricalhos típicos da magistratura. Ou seja, mesmo que condenado, o juiz que protagonizou um dos capítulos mais autoritários da Justiça recente pode sair ileso do ponto de vista econômico — ou melhor, altamente recompensado.
Enquanto o relator defende a punição máxima possível dentro dos limites corporativos do Judiciário, o Ministério Público Federal (MPF) surpreendeu ao sugerir penas mais brandas, como afastamentos temporários de 60 e 90 dias, reafirmando o pacto de autoproteção entre as instituições que deveriam fiscalizar umas às outras.
Bretas: de inquisidor a réu
A queda de Bretas representa um dos momentos mais emblemáticos do colapso da Lava Jato, operação que iniciou como símbolo de combate à corrupção, mas terminou atolada em excessos, violações de garantias constitucionais e instrumentalização política. No caso do ex-juiz do Rio de Janeiro, a transição de inquisidor a acusado se deu de forma ruidosa, e o processo em curso no CNJ é apenas mais um reflexo de um sistema que parece incapaz de punir os seus.
Desde fevereiro de 2023, Marcelo Bretas está oficialmente afastado das funções, mas continua sendo remunerado com dinheiro público. Sua permanência na folha de pagamento até hoje, mesmo diante de investigações graves, é outro exemplo do privilégio estrutural de que gozam membros do Judiciário brasileiro — uma casta protegida por mecanismos que nenhum outro servidor público possui.
Sistema corporativo ou justiça?
A possível aposentadoria compulsória de Bretas traz à tona um debate mais amplo sobre a incapacidade do sistema judiciário de aplicar punições verdadeiramente eficazes a seus membros. O modelo atual permite que juízes flagrados em atos graves terminem suas carreiras com estabilidade financeira garantida, enquanto cidadãos comuns são esmagados por erros judiciais, morosidade processual e seletividade penal.
O julgamento do CNJ, que foi suspenso temporariamente e será retomado às 14h, tem potencial para se tornar um marco — ou mais uma farsa institucional. Cabe aos conselheiros decidir se o que está em jogo é a reafirmação da justiça ou a blindagem de privilégios. A sociedade brasileira, cada vez mais cética em relação às instituições, observa.
No pano de fundo, permanece a pergunta incômoda: quantos “Bretas” ainda atuam livremente nas entranhas do Judiciário brasileiro?